Depois que aqui já se teve a definição do poeta como um plagiário, um bobo da corte ou mesmo um terrorista (Affonso Ávila), um fingidor de uma dor que deveras sente (Fernando Pessoa), um mundo confinando num homem (Victor Hugo), uma besta inglória (Moacyr Félix), um anjo da guarda (Waly Salomão) e por aí vai, agora nos chega Vianna para a todos afiançar que o vate é um milagreiro, um visionário, um adivinho!
Em rimas e métricas deliberadamente pendulares, o tríptico dispõe-se a tangenciar distintas representações da cultura ocidental e de suas abordagens líricas, sobretudo as atinentes aos lúbricos revérberos ao longo do domínio greco-romano, aos enigmas renascentistas nas representações artísticas da época – com destaque para o sorriso da Gioconda – etc., tudo isso amalgamado a inconfundíveis evocações circenses.
J.A.R. – H.C.
Fernando Mendes Vianna
(1933-2006)
Tríptico do Taumaturgo
I
Mágico, bufão, malabarista,
ao poeta nada urge, ruja embora
no circo o tempo. O tempo existe?
Não. A ruga é nuga nesta pista
– arena do labirinto do sem-fim.
O minuto do poeta é o trampolim
do empíreo à cova, e de novo
para o ovo de um eterno agora.
Do triste ao gaio e do gaio ao triste
e ao gaio, bailarino, se renova
– funâmbulo, papagaio, agonista –
o vate: valsa na navalha, fio
no caos, corda vocal de Fênix nunca fria,
gravata borboleta e logos imortal.
II
O minuto do aedo nunca é luto:
aquático, aéreo, térreo, ígneo,
luta lúdica do pélago com o sal,
bebe borras de álcool, bebe o gral.
O vate, vento e nuvem, tudo cria.
Demiurgo, a cartola é seu signo.
Atravessa o abismo a pé enxuto,
faz mágicas com a dor e a alegria
– entrudo sério, funéreo carnaval.
Voa em alcatifa até no inferno.
O poeta é um falerno sempiterno
– em verdade sem vinho, em verdade
adivinho de face de alvaiade,
terna esfinge pétrea e de terno.
III
Dando graças aos malhos e orvalhos,
ao mel, ao fel e às estridências,
ao silêncio, aos dós e aos bemóis,
escuto tudo. E mudo, sem voz,
vou olhando, vou ruminando a sós
desvivências de todas as vivências.
Cerrações, sóis, sudários, lençóis,
é tudo, tudo um eterno agora,
sem momento, sem memória, sem memento.
Tudo enigma, sorriso de Leonardo,
índice erguido para o pensamento
do esto alto. Entre torga, urze, cardo,
há o amor do eterno – jugo, doce fardo,
palimpsesto de puras reticências.
Em: “O silfo-hipogrifo” (1972)
Safo cantando para Homero
(Charles Nicolas Lafond: pintor francês)
Referência:
VIANNA, Fernando Mendes. Tríptico do
taumaturgo. In: __________. Antologia pessoal. Brasília, DF: Thesaurus,
2001. p. 81-82. (‘Antologia pessoal’; n. 3)
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