Metaforizando-se como uma lagartixa e a amada como o sol, o poeta discorre sobre os deleites de seu romântico amor em quatro estâncias de versos decassílabos, rimados apenas nas segundas e quartas linhas: o clarão dos olhos e o calor do corpo tornam-no inebriado como se houvesse se entregado aos prazeres de Baco, adormecendo ante o néctar dos melhores afetos de que é recebedor.
Inserto na segunda parte da “Lira dos Vinte Anos”, de 1853, o poema não deixa de causar alguma perplexidade, em especial por mencionar um animal – ou, talvez melhor, o vocábulo que lhe corresponde – raramente encontrável nos cânones da poesia romântica, ainda que uma de suas características mais marcantes seja exatamente o enaltecimento da relação homem x natureza.
J.A.R. – H.C.
Álvares de Azevedo
(1831-1852)
A Lagartixa
A lagartixa ao sol ardente vive,
E fazendo verão o corpo espicha:
O clarão dos teus olhos me dá vida,
Tu és o sol e eu sou a lagartixa.
Amo-te como o vinho e como o sono,
Tu és meu copo e amoroso leito...
Mas teu néctar de amor jamais se esgota,
Travesseiro não há como teu peito.
Posso agora viver: para coroas
Não preciso no prado colher flores;
Engrinaldo melhor a minha fronte
Nas rosas mais gentis de teus amores.
Vale todo um harém a minha bela,
Em fazer-me ditoso ela capricha;
Vivo ao sol de seus olhos namorados,
Como ao sol de verão a lagartixa.
A Lagartixa Vermelha
(Ann-Marie Cheung: artista canadense)
Referência:
AZEVEDO, Álvares de. A lagartixa. In: BARBOSA,
Frederico (Seleção e Organização). Cinco séculos de poesia: antologia da poesia clássica
brasileira. 4. ed. São Paulo, SP: Aquariana, 2011. p. 185.
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