Merton, nitidamente, parodia o inglês John Keats (1795-1821), em sua “Ode a uma Urna Grega”, quando alude ao binômio “beleza” x “verdade”, transpondo-o a este poema com pronunciado matiz sardônico: onde Keats grafa “beleza” e “verdade”, Merton enuncia, respectivamente, “corpo” e “tropas”, denotando a prevalência, agora, da faceta mais física e agressiva da conduta humana.
A beleza, com efeito, transfigura-se na corpulência obesa a que leva o consumismo desenfreado de calorias sem quaisquer limites, sobretudo nas sociedades ocidentais, como a norte-americana. A verdade, por sua vez, segue silenciada, amordaçada, confrangida pelos interesses econômicos em jogo, a carrear para o cadinho capitalista as mais distantes nações, como meras fornecedoras de recursos naturais, sem quaisquer direitos à autonomia, vis-à-vis o poderio bélico, latente ou manifesto, das grandes e ameaçadoras potências, a disseminar a morte pelos quatro cantos da terra.
Entrementes, o falante vive no esperançoso estágio de semente, no aguardo de uma chuva jubilosa que promova o seu propósito de germinar, crescer e dar frutos, em meio a esse legado desértico, inóspito, desafiador: belígeros conflitos que se difundem à farta e a humanidade cada vez mais presa ao lado corpóreo de sua existência.
J.A.R. – H.C.
Thomas Merton
(1915-1968)
The Philosophers
As I lay sleeping in the park,
Buried in the earth,
Waiting for the Easter rains
To drench me in their mirth
And crown my seedtime with some sap and growth,
Into the tunnels of my ears
Two anaesthetic voices came.
Two mandrakes were discussing life
And Truth and Beauty in the other room.
“Body is truth, truth body. Fat is all
We grow on earth, or all we breed to grow.”
Said one mandrake to the other.
Then I heard his brother:
“Beauty is troops, troops beauty. Dead is all
We grow on earth, or all we breed to grow.”
As I lay dreaming in the earth,
Enfolded in my future leaves,
My rest was broken by these mandrakes
Bitterly arguing in their frozen graves.
In: “Early Poems” (1940-1942)
Passeio pelo parque de carvalhos
(Anatole Krasnyansky: artista russo)
As Filósofas
Enquanto dormia no parque,
Enfiada na terra,
À espera de que as chuvas da Páscoa
Empapassem-me em seu júbilo
E coroassem meu tempo de semente com alguma
seiva e medra,
Alcançaram-me os túneis dos ouvidos
Duas vozes anestésicas.
Duas mandrágoras estavam a discutir sobre a vida,
A Verdade e a Beleza no outro cômodo.
“O corpo é verdade, a verdade o corpo. Adipose
é tudo
O que propagamos sobre a terra, ou tudo que geramos
para a propagar.”
Disse uma das mandrágoras à outra.
Ouvi, então, a réplica de sua irmã:
“A beleza é as tropas, as tropas beleza. Morticínio
é tudo
O que propagamos sobre a terra, ou tudo que geramos
para o propagar.”
Enquanto jazia a sonhar sob a terra,
Envolto em minhas futuras folhas,
Rompeu-se o meu descanso por essas mandrágoras
Que discutiam amargamente em suas tumbas
enregeladas.
Em: “Primeiros Poemas” (1940-1942)
Referência:
MERTON, Thomas. The philosophers. In: __________.
The collected poems of Thomas Merton. 1st. publ. New York: New
Directions, 1977. p. 3.
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