Bonnefoy constrói aqui uma alegoria a partir do símbolo representado pelas árvores, a princípio, uma insígnia a mediar dois mundos, quais sejam, este que se vivencia e o outro a que já faz parte a finada Douve, mulher amada prototípica – ente multifacetado e intransparente que perpassa grande parte da obra poética do autor francês.
Em topologia mítica híbrida, meio egípcia meio grega, avança o poema numa abordagem filosófica, tendo a morte por fio condutor e as árvores como forma tangível a aproximar pessoas pertencentes aos distintos mundos por ela circunscritos: sobre essa ruptura, remanesce um plasma que não se dissipa, certo efeito que reverbera na mente humana, caudatário do atributo inapreensível da morte, não racional, não redutível a uma ideia que a capture de uma vez por todas.
J.A.R. – H.C.
Yves Bonnefoy
(1923-2016)
Aux arbres
Vous qui vous êtes effacés sur son passage,
Qui avez refermé sur elle vos chemins,
Impassibles garants que Douve même morte
Sera lumière encore n’étant rien.
Vous fibreuse matière et densité,
Arbres, proches de moi quand elle s’est jetée
Dans la barque des morts et la bouche serrée
Sur l’obole de faim, de froid et de silence.
J’entends à travers vous quel dialogue elle tente
Avec les chiens, avec l’informe nautonier,
Et je vous appartiens par son cheminement
A travers tant de nuit et malgré tout ce fleuve.
Le tonnerre profond qui roule sur vos branches,
Les fêtes qu’il enflamme au sommet de l’été
Signifient qu’elle lie sa fortune à la mienne
Dans la médiation de votre austérité.
Que saisir sinon qui s’échappe,
Que voir sinon qui s’obscurcit.
Que désirer sinon qui meurt.
Sinon qui parle et se déchire?
Parole pioche de moi
Que chercher sinon ton silence,
Quelle lueur sinon profonde
Ta conscience ensevelie,
Parole jetée matérielle
Sur l’origine et la nuit?
Folhas outonais em
árvores com caminho
(Maritess Sulcer:
pintor norte-americano)
Às árvores
Vós que vos apagastes à sua passagem,
Que sobre elas fechastes os vossos caminhos,
Impassíveis avais de que até morta Douve
Há de ser luz, ainda não sendo nada.
Vós fibrosa matéria e densidade,
Árvores, junto a mim quando ela se lançou
Na embarcação dos mortos e boca fechada
Ao óbolo de fome, de frio e silêncio.
Ouço através de vós que diálogo ela tenta
Com esses cães, com esse informe bateleiro,
E eu pertenço a vós pelo seu caminhar
Por entre tanta noite e apesar deste rio.
O trovão tão profundo a vos rolar nos galhos,
As festas que ele inflama ao cume do verão
Sinalam que ela liga a sua fortuna à minha
Pela mediação da vossa austeridade.
Que pegar senão quem escapa,
Que ver senão quem se escurece,
Que desejar senão quem morre,
Senão quem fala e se lacera?
Palavra perto de mim
Que buscar senão teu silêncio,
Que luzir senão profundo
Tua consciência sepulta.
Palavra lance material
Sobre a origem e a noite?
Referência:
BONNEFOY, Yves. Aux arbres / Às
árvores. Tradução de Mário Laranjeira. In: __________. Obra poética.
Edição bilíngue: Francês x Português. Organização e tradução de Mário
Laranjeira. Prefácio do autor. São Paulo, SP: Iluminuras, 1998. Em francês e em
português: p. 55-56.
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