Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 5 de junho de 2021

Yves Bonnefoy - Às árvores

Bonnefoy constrói aqui uma alegoria a partir do símbolo representado pelas árvores, a princípio, uma insígnia a mediar dois mundos, quais sejam, este que se vivencia e o outro a que já faz parte a finada Douve, mulher amada prototípica – ente multifacetado e intransparente que perpassa grande parte da obra poética do autor francês.

Em topologia mítica híbrida, meio egípcia meio grega, avança o poema numa abordagem filosófica, tendo a morte por fio condutor e as árvores como forma tangível a aproximar pessoas pertencentes aos distintos mundos por ela circunscritos: sobre essa ruptura, remanesce um plasma que não se dissipa, certo efeito que reverbera na mente humana, caudatário do atributo inapreensível da morte, não racional, não redutível a uma ideia que a capture de uma vez por todas.

J.A.R. – H.C.

Yves Bonnefoy

(1923-2016)

 

Aux arbres

 

Vous qui vous êtes effacés sur son passage,

Qui avez refermé sur elle vos chemins,

Impassibles garants que Douve même morte

Sera lumière encore n’étant rien.

 

Vous fibreuse matière et densité,

Arbres, proches de moi quand elle s’est jetée

Dans la barque des morts et la bouche serrée

Sur l’obole de faim, de froid et de silence.

 

J’entends à travers vous quel dialogue elle tente

Avec les chiens, avec l’informe nautonier,

Et je vous appartiens par son cheminement

A travers tant de nuit et malgré tout ce fleuve.

 

Le tonnerre profond qui roule sur vos branches,

Les fêtes qu’il enflamme au sommet de l’été

Signifient qu’elle lie sa fortune à la mienne

Dans la médiation de votre austérité.

 

Que saisir sinon qui s’échappe,

Que voir sinon qui s’obscurcit.

Que désirer sinon qui meurt.

Sinon qui parle et se déchire?

 

Parole pioche de moi

Que chercher sinon ton silence,

Quelle lueur sinon profonde

Ta conscience ensevelie,

 

Parole jetée matérielle

Sur l’origine et la nuit?

 

Folhas outonais em árvores com caminho
(Maritess Sulcer: pintor norte-americano)

 

Às árvores

 

Vós que vos apagastes à sua passagem,

Que sobre elas fechastes os vossos caminhos,

Impassíveis avais de que até morta Douve

Há de ser luz, ainda não sendo nada.

 

Vós fibrosa matéria e densidade,

Árvores, junto a mim quando ela se lançou

Na embarcação dos mortos e boca fechada

Ao óbolo de fome, de frio e silêncio.

 

Ouço através de vós que diálogo ela tenta

Com esses cães, com esse informe bateleiro,

E eu pertenço a vós pelo seu caminhar

Por entre tanta noite e apesar deste rio.

 

O trovão tão profundo a vos rolar nos galhos,

As festas que ele inflama ao cume do verão

Sinalam que ela liga a sua fortuna à minha

Pela mediação da vossa austeridade.

 

Que pegar senão quem escapa,

Que ver senão quem se escurece,

Que desejar senão quem morre,

Senão quem fala e se lacera?

 

Palavra perto de mim

Que buscar senão teu silêncio,

Que luzir senão profundo

Tua consciência sepulta.

 

Palavra lance material

Sobre a origem e a noite?


Referência:

BONNEFOY, Yves. Aux arbres / Às árvores. Tradução de Mário Laranjeira. In: __________. Obra poética. Edição bilíngue: Francês x Português. Organização e tradução de Mário Laranjeira. Prefácio do autor. São Paulo, SP: Iluminuras, 1998. Em francês e em português: p. 55-56.

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