Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 19 de junho de 2021

Camila do Valle - Um muro de silêncio

Sobre o mesmo tema da sintética “Poesia” de Drummond – “Gastei uma hora pensando um verso / que a pena não quer escrever...” –, Camila reflete sobre o elemento primeiro, razão inaugural onde teria início o texto, que, para se materializar, exige que se transponha, preliminarmente, um “muro de silêncio” sobre a página em branco.

Da página em branco, a voz lírica retrocede ao corpo e, do corpo, volta à página em branco, isto porque o corpo também nasce de um salto sobre o que não se pode caracterizar previamente, ou melhor, definir com suficiente grau de certeza – como a poesia, tão presente mesmo que não reduzida a palavras, mas deveras abstrusa para se lhe capturar o conteúdo e fazê-lo decantar em versos.

J.A.R. – H.C.

 

Camila do Valle

(n. 1973)

 

Um muro de silêncio

 

para Pedro Eiras

 

Sobre a página em branco repousa um reino de silêncio.

(Como pular este muro?)

É certo que todo texto começa antes do próprio texto.

Se não é, porém, na página em branco,

Onde tem, então, começo o texto?

No corpo que escreve?

É certo que todo corpo começa antes do próprio corpo.

Onde tem, então, começo o corpo?

Quiçá: na página em branco?

Eis o muro.


 

Gaspar Melchor de Jovellanos:

escritor espanhol retratado

com as ferramentas do ofício

(Francisco de Goya: pintor espanhol)


Referência:

VALLE, Camila do. Um muro de silêncio. In: VALLE, Camila do; PAVÓN, Cecilia (Sels.). Caos portátil: poesía contemporánea del Brasil. Edición bilingüe: Portugués x Español. Traducción de Cecilia Pavón. 1. ed. México, DF: EBL – Ediciones El Billar de Lucrecia, oct. 2007. p. 116. (‘Poesía Latinoamericana’)

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