Sobre o mesmo tema da sintética “Poesia” de Drummond – “Gastei uma hora pensando um verso / que a pena não quer escrever...” –, Camila reflete sobre o elemento primeiro, razão inaugural onde teria início o texto, que, para se materializar, exige que se transponha, preliminarmente, um “muro de silêncio” sobre a página em branco.
Da página em branco, a voz lírica retrocede ao corpo e, do corpo, volta à página em branco, isto porque o corpo também nasce de um salto sobre o que não se pode caracterizar previamente, ou melhor, definir com suficiente grau de certeza – como a poesia, tão presente mesmo que não reduzida a palavras, mas deveras abstrusa para se lhe capturar o conteúdo e fazê-lo decantar em versos.
J.A.R. – H.C.
Camila do Valle
(n. 1973)
Um muro de silêncio
para Pedro Eiras
Sobre a página em branco repousa um reino de
silêncio.
(Como pular este muro?)
É certo que todo texto começa antes do próprio
texto.
Se não é, porém, na página em branco,
Onde tem, então, começo o texto?
No corpo que escreve?
É certo que todo corpo começa antes do próprio
corpo.
Onde tem, então, começo o corpo?
Quiçá: na página em branco?
Eis o muro.
Gaspar Melchor de Jovellanos:
escritor espanhol retratado
com as ferramentas do ofício
(Francisco de Goya: pintor espanhol)
Referência:
VALLE, Camila do. Um muro de silêncio.
In: VALLE, Camila do; PAVÓN, Cecilia (Sels.). Caos portátil: poesía
contemporánea del Brasil. Edición bilingüe: Portugués x Español. Traducción de Cecilia Pavón. 1. ed.
México, DF: EBL – Ediciones El Billar de Lucrecia, oct. 2007. p. 116. (‘Poesía
Latinoamericana’)
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