O poema sobre a página desencadeia uma série de imagens – plasmadas em claridade, transparência e brancura – por meio das quais o poeta procura caracterizar a sua escrita: uma pedra caindo no ventre da água, como um punho, encarcerado em sua própria estampa.
Alguns elementos em dissonância ou dubiedade – como “fruta poderosa” e “força miúda”, assim como o incógnito “a” entre “leão íris” e “atravessa”, parecendo reverberar, de volta, à “força miúda” (ou seria à pedra?) – desencadeiam no leitor a impressão de que os reais sentidos, entranhados nesse construto metalinguístico, estejam para além de uma compreensão meramente lógica, remanescendo enigmáticos sob o prazer estético que emana do sugestivo aparato vocabular empregado pelo autor.
J.A.R. – H.C.
Luís Miguel Nava
(1957-1995)
O Poema
É um arbusto, armados
ainda nele os últimos relâmpagos,
o poema.
A pedra cai no ventre
da água – a fruta poderosa, as páginas
onde a brancura se estilhaça, o lenço
como um relâmpago.
Os cães brilham ao alto
– são eles o arbusto
de imagens onde a força miúda
como um leão íris
a atravessa o poema encarcerado em sua própria
imagem.
A pedra, digo, cai no ventre
da água como um punho
– agora está no fundo desta imagem.
Em: “Poemas” (1987)
Paisagem com arco-íris
(Peter Paul Rubens: pintor flamengo)
Referência:
NAVA, Luís Miguel. O poema. In: CASTRO,
Mario Moraes (Selección y Traducción). Antología breve de la poesía
portuguesa del siglo XX. Edición bilingüe: Portugués x Español. 1. ed.
México, DF: Instituto Politécnico Nacional, ene. 1998. p. 362.
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