Enzensberger formula um discurso ecologicamente correto em favor da vida sobre a terra – dos animais, da manutenção das geleiras, líquenes, pântanos e montanhas nos diversos continentes –, tão em perigo com um progresso devotado tão somente à apuração de lucro, em parelha com o declínio dos valores abraçados pela jactanciosa “civilização”.
A tecnologia militar entra na ordem do poema: radares, antenas e, em especial, o arsenal nuclear, com os seus efeitos radioativos danosos – “sinos de fogo flutuantes”, presumível designativo para os cogumelos gerados pelas explosões de bombas atômicas. Temos aí a poética a serviço da conscientização dos agentes que, ironicamente, não são os destinatários imediatos da mensagem, quais sejam, os “planejadores de ações sem rastros” – os humanos que detêm o poder.
J.A.R. – H.C.
Hans Magnus Enzensberger
(n. 1929)
Das Ende der Eulen
ich spreche von euerm nicht,
ich spreche vom ende der eulen.
ich spreche von butt und wal
in ihrem dunkeln haus,
dem siebenfältigen meer,
von den gletschern,
sie werden kalben zu früh,
rab und taube, gefiederten zeugen,
von allem was lebt in lüften
und wäldern, und den flechten im kies,
vom weglosen selbst, und vom grauen moor
und den leeren gebirgen:
auf radarschirmen leuchtend
zum letzten mal, ausgewertet
auf meldetischen, von antennen
tödlich befingert floridas sümpfe
und das sibirische eis, tier
und schilf und schiefer erwürgt
von warnketten, umzingelt
vom letzten manöver, arglos
unter schwebenden feuerglocken,
im ticken des ernstfalls.
wir sind schon vergessen.
sorgt euch nicht um die waisen,
aus dem sinn schlagt euch
die mündelsichern gefühle,
den ruhm, die rostfreien psalmen.
ich spreche nicht mehr von euch,
planern der spurlosen tat,
und von mir nicht, und keinem.
ich spreche von dem was nicht spricht,
von den sprachlosen zeugen,
von ottern und robben,
von den alten eulen der erde.
Fogo interior: corujas de celeiro
(Lindsey Dahl: pintora norte-americana)
O Fim das Corujas
Não falo do seu…
Eu falo do fim das corujas.
Eu falo do linguado, da baleia,
na sua casa escura,
o séptuplo mar,
dos glaciares,
que hão de parir cedo demais,
de corvos e pombos, testemunhas emplumadas,
de tudo o que vive nos ares,
nas florestas, dos líquens no cascalho,
do eu seu caminho, do pântano cinzento,
e das montanhas vazias:
Luzindo na tela do radar
pela última vez – avaliado
nas mesas de registro – por antenas
mortíferas são tocados os pântanos da Flórida
e o gelo da Sibéria; animais
e canaviais e lousas, estrangulados
por correntes detectoras, cercados
pela última manobra, inocentes
sob calotas de fogo que pairam no ar,
no tique-taque do caso fatal.
Já estamos esquecidos.
Não se preocupem com os órfãos,
desterrem de suas mentes
os sentimentos garantidos pelo Estado,
a glória, os salmos inoxidáveis.
Não falo mais de vocês,
planejadores da ação sem vestígio,
nem de mim, nem de ninguém.
Falo do que não fala,
das testemunhas sem língua,
das lontras e focas,
das velhas corujas da terra.
Referência:
ENZENSBERGER, Hans Magnus. Das ende der
eulen / O fim das corujas. Tradução de Kurt Scharf e Armindo Trevisan. In:
__________. Eu falo dos que não falam: antologia. Edição bilíngue.
Seleção dos textos de Kurt Scharf. Tradução de Kurt Scharf e Armindo Trevisan.
Prefácio de Bärbel Gutzat. São Paulo, SP: Brasiliense, 1985. Em alemão e em
português: p. 29-30.
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