Este é o poema VIII da seção “O Anverso”, da obra em referência: trata ele da sina de “formiga” do ser humano, melhor ainda, da desdita de voltar a erigir tudo quanto tangível sobre a terra, depois de, paradoxalmente, sobre ele mesmo recair a responsabilidade de não haver levado as coisas a contento, com o que sobrevêm “bátegas & trovoadas” sobre aquilo que previamente construíra – discórdias e conflitos bélicos –, as peças falhas de um trôpego edifício civilizatório.
É assim tanto no plano coletivo, quanto no individual, como se repetíssemos, vezes sem conta, a vetusta máxima do compositor paulistano Paulo Vanzolini (1924-2013): ‘Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima!”. A cada erro, a pretensão de se redimir perante os outros ou, quiçá, perante Deus. Mais um pouco, a propósito: “Construir poderá consistir numa tarefa lenta e laboriosa de anos. Destruir pode ser o ato irrefletido de um único dia”. (Winston Churchill) (*)
J.A.R. – H.C.
Nahman Armony
(n. 1932)
Moto-contínuo
Nada sei a respeito de nada;
Penosamente o mundo se constrói
E quando parece terminado
Falha uma peça
E tudo desmorona.
O pó se eleva
Até os céus
Em busca de socorro
Em busca de luz
Em busca de perdão.
O arquiteto maltratado
Virou pó, virou terra
Virou fragmentos espalhados
Misturou-se aos escombros
Deles já não se distingue;
Mas há muito que fazer
É preciso viver
É preciso construir
Sacode-se o pó
Abre-se uma clareira entre as ruínas
E recomeça-se.
Estudo para o afresco pintado
no Mausoléu de Jusélius, Pori, Finlândia
(Akseli Gallen-Kallela: pintor finlandês)
Nota:
(*) No original em inglês: “To build may have to be the slow and laborious task of years. To destroy can be the thoughtless act of a single day”. Em: Adoption Meeting: A Speech at Hawkey Hall, Woodford, 29 september 1959. O excerto transcrito reporta-se ao seguinte local de referência:
ALLIANCE. The unwritten alliance: speeches 1953-1959. London, EN: Cassell, 1961. p. 320.
Referência:
ARMONY, Nahman. Moto-contínuo. In:
__________. O anverso e o verso. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1978. p. 37.
(Série ‘Poesia Imago’)
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