Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Nahman Armony - Moto-contínuo

Este é o poema VIII da seção “O Anverso”, da obra em referência: trata ele da sina de “formiga” do ser humano, melhor ainda, da desdita de voltar a erigir tudo quanto tangível sobre a terra, depois de, paradoxalmente, sobre ele mesmo recair a responsabilidade de não haver levado as coisas a contento, com o que sobrevêm “bátegas & trovoadas” sobre aquilo que previamente construíra – discórdias e conflitos bélicos –, as peças falhas de um trôpego edifício civilizatório.

É assim tanto no plano coletivo, quanto no individual, como se repetíssemos, vezes sem conta, a vetusta máxima do compositor paulistano Paulo Vanzolini (1924-2013): ‘Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima!”. A cada erro, a pretensão de se redimir perante os outros ou, quiçá, perante Deus. Mais um pouco, a propósito: “Construir poderá consistir numa tarefa lenta e laboriosa de anos. Destruir pode ser o ato irrefletido de um único dia”. (Winston Churchill) (*)

J.A.R. – H.C.

 

Nahman Armony

(n. 1932)

 

Moto-contínuo

 

Nada sei a respeito de nada;

Penosamente o mundo se constrói

E quando parece terminado

Falha uma peça

E tudo desmorona.

 

O pó se eleva

Até os céus

Em busca de socorro

Em busca de luz

Em busca de perdão.

 

O arquiteto maltratado

Virou pó, virou terra

Virou fragmentos espalhados

Misturou-se aos escombros

Deles já não se distingue;

 

Mas há muito que fazer

É preciso viver

É preciso construir

 

Sacode-se o pó

Abre-se uma clareira entre as ruínas

E recomeça-se.

 

Estudo para o afresco pintado

no Mausoléu de Jusélius, Pori, Finlândia

(Akseli Gallen-Kallela: pintor finlandês)


Nota:

(*) No original em inglês: “To build may have to be the slow and laborious task of years. To destroy can be the thoughtless act of a single day”. Em: Adoption Meeting: A Speech at Hawkey Hall, Woodford, 29 september 1959. O excerto transcrito reporta-se ao seguinte local de referência:

ALLIANCE. The unwritten alliance: speeches 1953-1959. London, EN: Cassell, 1961. p. 320.

Referência:

ARMONY, Nahman. Moto-contínuo. In: __________. O anverso e o verso. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1978. p. 37. (Série ‘Poesia Imago’)

Nenhum comentário:

Postar um comentário