Este é um poema de um certo desencanto pela vida, eivado de inquirições vocacionadas a dissuadir quem quer que seja a não se apegar demasiado com as coisas deste mundo, sobretudo as de ordem material – afinal tudo findará no pó primordial, agora com nova “roupagem”, em razão dos modernos meios de incineração daqueles que já se foram.
No Hades ou no Sheol, diante do “notário da morte”, o falecido somente a si mesmo poderá recorrer, não aos que aqui ficaram ou às suas posses: para já, em meio a um caleidoscópio de inquietações, as preleções do falante bem se avistam nas “pegadas” do poema sobre a água em fluxo, sem que sejam suficientemente introjetadas, aprendidas, assimiladas ou postas em prática pelos destinatários da mensagem.
J.A.R. – H.C.
Juan Gelman
(1930-2014)
Cuando
cuando la Muerte te haga prisionero /
tu casa / ¿de qué te servirá? /
aunque esté hecha de ladrillos /
¿de qué te servirá? /
tus tíos / tus hermanos / tu mujer /
¿de qué te servirán? /
morirás / ellos
te ofrecerán un cántaro (rajado)/una esterilla
(rota)/el sudario/
te dejarán en el campo crematorio /
y habrás muerto / sus lágrimas
pronto se secarán /
no perderán el apetito /
no lo olvides cuando estés allá abajo
contestando al notario de la Muerte /
¿hablarás / ya desnudo? /
ni bienes ni parientes te servirán /
ellos
no te acompañarán /
¿a quién pertenecés? /
cuando te fundas con la última pureza
tampoco lo sabrás /
corazón obstinado: te hacés el que no entiende /
aunque mil veces perseguiste
las huellas del poema en el agua /
ramprasad
(1718-1775 /
kumarhatta-calcutta-kumarhatta)
O triunfo da morte
(Pieter Brueghel, o Velho: pintor flamengo)
Quando
quando a Morte te fizer prisioneiro /
tua casa / de que te servirá? /
ainda que seja feita de tijolos /
de que te servirá? /
teus tios / teus irmãos / tua mulher /
de que te servirão? /
morrerás / eles
te oferecerão um cântaro (rachado) / uma
esteirazinha
(rasgada) / o sudário /
te deixarão no campo crematório /
e terás morrido / suas lágrimas
logo se secarão /
não perderão o apetite /
não te esqueças disso quando estiveres lá embaixo
respondendo ao notário da Morte /
falarás / desnudo agora? /
nem bens nem parentes te servirão /
eles
não te acompanharão /
a quem pertences? /
quando te fundires com a última pureza
tampouco o saberás /
coração obstinado: finges que não entendes /
ainda que mil vezes tenhas perseguido
as pegadas do poema na água /
ramprasad
(1718-1775 /
kumarhatta-calcutta-kumarhatta)
Referência:
GELMAN, Juan. Cuando / Quando. Tradução
de Tradução de Andityas Soares de Moura. In: __________. Com/posiociones /
Com/posições. (Paris, 1984-1985). Tradução, introdução e notas de Andityas
Soares de Moura. Edição bilíngue. Belo Horizonte, MG: Crisálida, 2007. Em
espanhol: p. 136; em português: p. 137.
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