Seguindo a linha da fábula atribuída a Esopo (620 a.C. - 564 a.C.), o poeta lusitano, associando-se à cigarra, vive a vida como uma sentença com que não pode haver-se senão por amor, dirigindo-lhe os cicios como se feitiço fosse, prodigalizando o seu canto às aves e aos viandantes.
Findo o verão, espera agora que as flores, furtivamente rareadas com a mudança de estação, levem-no consigo, quando o seu corpo caído silenciar o canto – o qual, convictamente, seria a sua missão de vida: feito um presságio, a figura prototípica da cigarra bem lhe cabe, pois pouco viveu, ao abreviarem-se os seus dias aos 28 anos.
J.A.R. – H.C.
Daniel Faria
(1971-1999)
Cigarra
Amei a vida
Como se fora um castigo
Cantei-a
Como se fora um feitiço
Agora chora
Esse canto calado
Sacie-te a voz
Agasalhe-te o pranto
Que fizeste no Verão?
Vendeste o teu canto?
Não vendi
Dei-o às aves
A qualquer viandante
Oh leva-me flores
Quando já o meu corpo
Caído não cante
Cigarra
(Désiré George Herman: artista belga)
Referência:
FARIA, Daniel. Cigarra. In: __________.
Poesia. Edição de Vera Vouga. 1. ed. Porto, PT: Assírio & Alvim,
mai. 2012. p. 377.
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