Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 13 de junho de 2021

Murilo Mendes - Ofício Humano

À espera redentora do retorno de Cristo a arrastar por um cordel a serpente do pecado, finalmente vencida, segue o ofício humano sobre a terra, na expectativa de que, num certo dia – tal é a utopia do falante! –, os homens venham a se fundir numa única família, em unidade assegurada por um coração capaz de congregar as duas faces antípodas neles existentes – os anjos das luzes e das trevas.

Alegria e sofrimento, ternura e hostilidade, o róseo e o vermelho, o amor e o ódio, dicotomias que existem em cada um de nós, mas que somos instados a contemporizá-las, para podermos manter um convívio fraterno em nossa lida. Tal como na composição “O bem e o mal”, de Danilo Caymmi e Dudu Falcão: “Eu guardo em mim / o deus, o louco, o santo / o bem e o mal”.

J.A.R. – H.C.

 

Murilo Mendes

(1901-1975)

 

Ofício Humano

 

As harpas da manhã vibram suaves e róseas.

O poeta abre seu arquivo – o mundo –

E vai retirando dele alegria e sofrimento

Para que todas as coisas passando pelo seu coração

Sejas reajustadas na unidade.

 

É preciso reunir o dia e a noite,

Sentar-se à mesa da terra com o homem divino e o criminoso,

É preciso desdobrar a poesia em planos múltiplos

E casar a branca flauta da ternura aos vermelhos clarins do sangue.

 

Esperemos na angústia e no tremor o fim dos tempos,

Quando os homens se fundirem numa única família,

Quando ao separar de novo a luz das trevas

O Cristo Jesus vier sobre a nuvem,

Arrastando por um cordel a antiga Serpente vencida.

 

Em: “Poesia Liberdade” (1943-1945)

 

Orações matutinas na Rua da Caridade: Victoria

(Marvic Muscat: pintor maltês)


Referência:

MENDES, Murilo. Ofício humano. In: __________. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguilar, 1995. 408.

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