Nesta “Action Poetry” (“Poesia de Ação), do poeta uruguaio, tudo se passa como um longo, indômito, imponderável, incisivo e incontido caudal de palavras a suportar ideias, abstrações e alegorias sobre tal tipologia do universo poético: raros são os sinais de pontuação no original em espanhol, muito embora eles possam ser deduzidos com alguma facilidade – como se pode ratificar pela tradução apresentada, no caso, a honrar todas as formalidades da gramática, em grande parte, dispensadas pelo poeta.
De fato, as linhas de Benavides são a mais refinada metapoética, a esclarecer que o poema não pode, como um préstimo, dilucidar os seus próprios mistérios ao leitor – sé é que existam: na melhor das hipóteses, ele insinua-se à mente dos seus destinatários, que poderão dele depreender uma panóplia de interpretações, com o propósito de desvendar as reais intenções do vate ao redigi-lo.
J.A.R. – H.C.
Washington Benavides
(1930-2017)
Action Poetry
a Jackson Pollock
el poema no debe resolverse jamás. Líquido
que se derrama de un frasco de medicación
desconocido
se extiende como una amiba sobre el piso, sobre la
alfombra
sobre la losa húmeda y combina
con el agua en una aguada espontánea
que refleja los tirantes del techo su madera oscura
o una ventana como el fácil dibujo para iluminar
los ojos
o las manzanas en el dibujante de comics
el poema agrede como un perro atado o se insinúa
como un
gato hambriento rozándote las piernas
pero no sabes cuál es su verdadera intención sólo
puedes
conjeturarla como el significado y el relieve de
las nubes
puede sugerirte toda una fauna
que escapa de tu cabeza como aquella diosa nacida
de la cabeza
de su padre dios de dioses
el poema no puede descifrarte su enigma porque ni
siquiera
es conveniente suponerlo, suponer que existe ese
enigma
el poema es la serie de palabras ininteligibles que
escapan
del viejo accidentado, junto a las marcas de
neumáticos del frenazo
y cientos de pares de zapatos y sandalias y botas
que le rodean
como un curioso matorral
no puedes sino adivinar que cosas escapan al cerco
de sus dientes
como dijera Homero
imaginar qué cosas están brotando vueltos signos de
los labios
heridos del yacente
y ese viejo yacente es el poema que se desarrolla
ante tus ojos
y tu mente rechaza ese escribir derramado, ese
poema hemofílico
para el que no encuentras torniquete ni pinza
salvadora
el poema continúa como una teletipo demencial
marcando en el papel
los signos arbitrarios mientras no se descubre su
doctrina
– si ella existe – la intencionalidad que ha movido
los dedos
del mecanógrafo para crear hileras tras hileras
tras hileras
otras viñas de La Ira.
En: “El mirlo y la misa” (2000)
Veja através
(Sandra Vucicevic: artista sérvia)
Action Poetry
A Jackson Pollock
O poema jamais deve ser resolvido. Líquido
a derramar-se de um frasco de desconhecido fármaco,
espalha-se como uma ameba sobre o chão, sobre o
tapete,
sobre o ladrilho úmido e mistura-se
com a água, num guache espontâneo,
a refletir as vigas do teto, sua madeira escura
ou uma janela, como o fácil desenho para iluminar
os olhos
ou as maçãs nas histórias em quadrinhos do
cartunista.
O poema ataca como um cão amarrado ou insinua-se
como um
gato faminto, roçando-te as pernas,
e embora não saibas qual a sua verdadeira intenção,
somente
podes conjecturá-la, tal como o significado e o
relevo das nuvens
podem sugerir-te toda uma fauna
que escapa de tua cabeça, como aquela deusa nascida
da cabeça
de seu pai, deus dos deuses.
O poema não pode decifrar-te seu enigma, porque
sequer
é conveniente supô-lo, supor que exista tal enigma.
O poema é uma série de palavras ininteligíveis que
escapam
do velho acidentado, junto às marcas de derrapagem
dos freios
e centenas de pares de sapatos e sandálias e botas
ao seu redor,
como um curioso matagal.
Não podes senão adivinhar que coisas escapam ao
aperto de seus dentes,
como dissera Homero,
imaginar quais coisas estão a brotar, transmutadas
em sinais dos lábios
feridos do jacente,
e esse velho jacente é o poema que se desenvolve
diante dos teus olhos,
e tua mente rejeita essa escrita derramada, esse
poema hemofílico
para o qual não encontras nem torniquete nem pinça
salvadora.
O poema continua como um teletipo demencial,
marcando no papel
os sinais arbitrários, enquanto não se descobre a
sua doutrina
– se é que ela existe –, a intencionalidade que
moveu os dedos
do digitador a criar fileiras sobre fileiras e mais
fileiras
de outras vinhas da Ira.
Em: “O melro e a
missa” (2000)
Referência:
BENAVIDES, Washington. Action poetry.
In: HALADYNA, Ronald (Introduction, English Translations, Bibliographies and
Notes). Contemporary uruguayan poetry. A bilingual edition: Spanish x
English. Lewisburg, OH: Bucknell University Press, 2010. p. 78 y 80.
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