Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Washington Benavides - Action Poetry

Nesta “Action Poetry” (“Poesia de Ação), do poeta uruguaio, tudo se passa como um longo, indômito, imponderável, incisivo e incontido caudal de palavras a suportar ideias, abstrações e alegorias sobre tal tipologia do universo poético: raros são os sinais de pontuação no original em espanhol, muito embora eles possam ser deduzidos com alguma facilidade – como se pode ratificar pela tradução apresentada, no caso, a honrar todas as formalidades da gramática, em grande parte, dispensadas pelo poeta.

De fato, as linhas de Benavides são a mais refinada metapoética, a esclarecer que o poema não pode, como um préstimo, dilucidar os seus próprios mistérios ao leitor – sé é que existam: na melhor das hipóteses, ele insinua-se à mente dos seus destinatários, que poderão dele depreender uma panóplia de interpretações, com o propósito de desvendar as reais intenções do vate ao redigi-lo.

J.A.R. – H.C.

 

Washington Benavides

(1930-2017)

 

Action Poetry

 

a Jackson Pollock

 

el poema no debe resolverse jamás. Líquido

que se derrama de un frasco de medicación desconocido

se extiende como una amiba sobre el piso, sobre la alfombra

sobre la losa húmeda y combina

con el agua en una aguada espontánea

que refleja los tirantes del techo su madera oscura

o una ventana como el fácil dibujo para iluminar los ojos

o las manzanas en el dibujante de comics

el poema agrede como un perro atado o se insinúa como un

gato hambriento rozándote las piernas

pero no sabes cuál es su verdadera intención sólo puedes

conjeturarla como el significado y el relieve de las nubes

puede sugerirte toda una fauna

que escapa de tu cabeza como aquella diosa nacida de la cabeza

de su padre dios de dioses

el poema no puede descifrarte su enigma porque ni siquiera

es conveniente suponerlo, suponer que existe ese enigma

el poema es la serie de palabras ininteligibles que escapan

del viejo accidentado, junto a las marcas de neumáticos del frenazo

y cientos de pares de zapatos y sandalias y botas que le rodean

como un curioso matorral

no puedes sino adivinar que cosas escapan al cerco de sus dientes

como dijera Homero

imaginar qué cosas están brotando vueltos signos de los labios

heridos del yacente

y ese viejo yacente es el poema que se desarrolla ante tus ojos

y tu mente rechaza ese escribir derramado, ese poema hemofílico

para el que no encuentras torniquete ni pinza salvadora

el poema continúa como una teletipo demencial marcando en el papel

los signos arbitrarios mientras no se descubre su doctrina

– si ella existe – la intencionalidad que ha movido los dedos

del mecanógrafo para crear hileras tras hileras tras hileras

otras viñas de La Ira.

 

En: “El mirlo y la misa” (2000)

 

Veja através

(Sandra Vucicevic: artista sérvia)

 

Action Poetry

 

A Jackson Pollock

 

O poema jamais deve ser resolvido. Líquido

a derramar-se de um frasco de desconhecido fármaco,

espalha-se como uma ameba sobre o chão, sobre o tapete,

sobre o ladrilho úmido e mistura-se

com a água, num guache espontâneo,

a refletir as vigas do teto, sua madeira escura

ou uma janela, como o fácil desenho para iluminar os olhos

ou as maçãs nas histórias em quadrinhos do cartunista.

O poema ataca como um cão amarrado ou insinua-se como um

gato faminto, roçando-te as pernas,

e embora não saibas qual a sua verdadeira intenção, somente

podes conjecturá-la, tal como o significado e o relevo das nuvens

podem sugerir-te toda uma fauna

que escapa de tua cabeça, como aquela deusa nascida da cabeça

de seu pai, deus dos deuses.

O poema não pode decifrar-te seu enigma, porque sequer

é conveniente supô-lo, supor que exista tal enigma.

O poema é uma série de palavras ininteligíveis que escapam

do velho acidentado, junto às marcas de derrapagem dos freios

e centenas de pares de sapatos e sandálias e botas ao seu redor,

como um curioso matagal.

Não podes senão adivinhar que coisas escapam ao aperto de seus dentes,

como dissera Homero,

imaginar quais coisas estão a brotar, transmutadas em sinais dos lábios

feridos do jacente,

e esse velho jacente é o poema que se desenvolve diante dos teus olhos,

e tua mente rejeita essa escrita derramada, esse poema hemofílico

para o qual não encontras nem torniquete nem pinça salvadora.

O poema continua como um teletipo demencial, marcando no papel

os sinais arbitrários, enquanto não se descobre a sua doutrina

– se é que ela existe –, a intencionalidade que moveu os dedos

do digitador a criar fileiras sobre fileiras e mais fileiras

de outras vinhas da Ira.

 

Em: “O melro e a missa” (2000)


Referência:

BENAVIDES, Washington. Action poetry. In: HALADYNA, Ronald (Introduction, English Translations, Bibliographies and Notes). Contemporary uruguayan poetry. A bilingual edition: Spanish x English. Lewisburg, OH: Bucknell University Press, 2010. p. 78 y 80.

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