Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 5 de abril de 2021

Cassiano Ricardo - Espaço Lírico

Em detrimento do espaço preenchido pelo seu corpo, Ricardo sobrevaloriza o espaço que que lhe vai no íntimo, a saber, aquele formulado em lírica que se expressa de modo inteligível e sensível nas linhas de seus poemas, livre e expansivamente, como se nos apresenta no soneto em questão – desamarrado de quaisquer métricas ou rimas.

É dentro desse espaço, verdejante e invulnerável ao tempo, que se delimita o perfil do poeta, vocacionado a manifestar o afeto direcionado às demais criaturas, até que a morte, lídimo retorno ao incriado, sobrevenha e resgate a flor assim sazonada para toda a eternidade.

J.A.R. – H.C.

 

Cassiano Ricardo

(1895-1974)

 

Espaço Lírico

 

Não amo o espaço que o meu corpo ocupa

num jardim público, num estribo de bonde.

Mas o espaço que mora em mim, luz interior.

Um espaço que é meu como uma flor

 

que me nasceu por dentro, entre paredes.

Nutrido à custa de secretas sedes.

Que é a forma? Não o simples adorno.

Não o corpo habitando o espaço, mas o espaço

 

dentro do meu perfil, do meu contorno.

Que haja em mim um chão vivo em cada passo

(mesmo nas horas mais obscuras) para

 

que eu possa amar a todas as criaturas.

Morte: retorno ao incriado. Espaço:

virgindade do tempo em campo verde.

 

Amarelo, Vermelho, Azul

(Wassily Kandinsky: pintor russo)


Referência:

RICARDO, Cassiano. Espaço lírico. In: MERQUIOR, José Guilherme. Razão do poema: ensaios de críticas e de estética. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Topbooks, 1996. p. 97.

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