Em detrimento do espaço preenchido pelo seu corpo, Ricardo sobrevaloriza o espaço que que lhe vai no íntimo, a saber, aquele formulado em lírica que se expressa de modo inteligível e sensível nas linhas de seus poemas, livre e expansivamente, como se nos apresenta no soneto em questão – desamarrado de quaisquer métricas ou rimas.
É dentro desse espaço, verdejante e invulnerável ao tempo, que se delimita o perfil do poeta, vocacionado a manifestar o afeto direcionado às demais criaturas, até que a morte, lídimo retorno ao incriado, sobrevenha e resgate a flor assim sazonada para toda a eternidade.
J.A.R. – H.C.
Cassiano Ricardo
(1895-1974)
Espaço Lírico
Não amo o espaço que o meu corpo ocupa
num jardim público, num estribo de bonde.
Mas o espaço que mora em mim, luz interior.
Um espaço que é meu como uma flor
que me nasceu por dentro, entre paredes.
Nutrido à custa de secretas sedes.
Que é a forma? Não o simples adorno.
Não o corpo habitando o espaço, mas o espaço
dentro do meu perfil, do meu contorno.
Que haja em mim um chão vivo em cada passo
(mesmo nas horas mais obscuras) para
que eu possa amar a todas as criaturas.
Morte: retorno ao incriado. Espaço:
virgindade do tempo em campo verde.
Amarelo, Vermelho, Azul
(Wassily Kandinsky: pintor russo)
Referência:
RICARDO, Cassiano. Espaço lírico. In: MERQUIOR,
José Guilherme. Razão do poema: ensaios de críticas e de estética. 2.
ed. Rio de Janeiro, RJ: Topbooks, 1996. p. 97.
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