O ente lírico dispôs-se, doravante, a somente ouvir a sua voz interior, relegando a um segundo plano todas as outras vozes que, inopinadamente, ressoam em seu íntimo – admoestando-o, criticando-o, depreciando-o, como se censores fossem –, ou ainda, quem sabe, vozes ressonantes de terceiros – familiares ou amigos –, em favor das quais são detratados os seus mais profundos propósitos de vida e aspirações.
Há um manifesto desejo de afirmação, de exteriorização de uma individualidade que se julga aprisionada por grilhões, autoimpostos ou não, visando a dar contorno aos promontórios mais temerários da existência, para com isso fundear o batel no porto seguro da autorrealização, da satisfação e da felicidade plenas.
J.A.R. – H.C.
Mary Oliver
(1935-2019)
The Journey
One day you finally knew
what you had to do, and began,
though the voices around you
kept shouting
their bad advice –
though the whole house
began to tremble
and you felt the old tug
at your ankles.
“Mend my life!”
each voice cried.
But you didn’t stop.
You knew what you had to do,
though the wind pried
with its stiff fingers
at the very foundations,
though their melancholy
was terrible.
It was already late
enough, and a wild night,
and the road full of fallen
branches and stones.
But little by little,
as you left their voices behind,
the stars began to burn
through the sheets of clouds,
and there was a new voice
which you slowly
recognized as your own,
that kept you company
as you strode deeper and deeper
into the world,
determined to do
the only thing you could do –
determined to save
the only life that you could save.
In: “Dream Work” (1986)
O peregrino da cruz ao fim de sua jornada
(Thomas Cole: pintor anglo-americano)
A Viagem
Um dia finalmente soubeste
o que tinhas que fazer, e o começaste,
ainda que as vozes ao teu redor
insistissem em esbravejar
os seus maus conselhos –
ainda que toda a casa
começasse a tremer
e sentisses o velho tranco
em teus tornozelos.
“Corrige-me a vida!”
bradava cada uma das vozes.
Mas não te detiveste.
Sabias o que tinhas que fazer,
ainda que o vento imprimisse força
com os seus rígidos dedos
às próprias fundações,
ainda que a sua melancolia
fosse tremenda.
Já era tarde o bastante,
uma noite selvagem,
e a estrada estava cheia
de pedras e galhos caídos.
Mas pouco a pouco,
conforme deixavas suas vozes para trás,
as estrelas começaram a cintilar
por entre as camadas de nuvens,
e se ouviu uma nova voz
que aos poucos
reconheceste como tua,
que te fez companhia
enquanto adentravas
o mundo cada vez mais fundo,
decidida a fazer
a única coisa que poderias fazer –
decidida a salvar
a única vida que poderias salvar.
Em: “Trabalho de Sonho” (1986)
Referência:
OLIVER, Mary. The journey. In:
__________. Devotions: the selected poems of Mary Oliver. New York, NY:
Penguin Books, 2020. p. 349.
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