Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Mary Oliver - A Viagem

O ente lírico dispôs-se, doravante, a somente ouvir a sua voz interior, relegando a um segundo plano todas as outras vozes que, inopinadamente, ressoam em seu íntimo – admoestando-o, criticando-o, depreciando-o, como se censores fossem –, ou ainda, quem sabe, vozes ressonantes de terceiros – familiares ou amigos –, em favor das quais são detratados os seus mais profundos propósitos de vida e aspirações.

Há um manifesto desejo de afirmação, de exteriorização de uma individualidade que se julga aprisionada por grilhões, autoimpostos ou não, visando a dar contorno aos promontórios mais temerários da existência, para com isso fundear o batel no porto seguro da autorrealização, da satisfação e da felicidade plenas.

J.A.R. – H.C.

 

Mary Oliver

(1935-2019)

 

The Journey

 

One day you finally knew

what you had to do, and began,

though the voices around you

kept shouting

their bad advice –

though the whole house

began to tremble

and you felt the old tug

at your ankles.

“Mend my life!”

each voice cried.

But you didn’t stop.

You knew what you had to do,

though the wind pried

with its stiff fingers

at the very foundations,

though their melancholy

was terrible.

It was already late

enough, and a wild night,

and the road full of fallen

branches and stones.

But little by little,

as you left their voices behind,

the stars began to burn

through the sheets of clouds,

and there was a new voice

which you slowly

recognized as your own,

that kept you company

as you strode deeper and deeper

into the world,

determined to do

the only thing you could do –

determined to save

the only life that you could save.

 

In: “Dream Work” (1986)

 

O peregrino da cruz ao fim de sua jornada

(Thomas Cole: pintor anglo-americano)

 

A Viagem

 

Um dia finalmente soubeste

o que tinhas que fazer, e o começaste,

ainda que as vozes ao teu redor

insistissem em esbravejar

os seus maus conselhos –

ainda que toda a casa

começasse a tremer

e sentisses o velho tranco

em teus tornozelos.

“Corrige-me a vida!”

bradava cada uma das vozes.

Mas não te detiveste.

Sabias o que tinhas que fazer,

ainda que o vento imprimisse força

com os seus rígidos dedos

às próprias fundações,

ainda que a sua melancolia

fosse tremenda.

Já era tarde o bastante,

uma noite selvagem,

e a estrada estava cheia

de pedras e galhos caídos.

Mas pouco a pouco,

conforme deixavas suas vozes para trás,

as estrelas começaram a cintilar

por entre as camadas de nuvens,

e se ouviu uma nova voz

que aos poucos

reconheceste como tua,

que te fez companhia

enquanto adentravas

o mundo cada vez mais fundo,

decidida a fazer

a única coisa que poderias fazer –

decidida a salvar

a única vida que poderias salvar.

 

Em: “Trabalho de Sonho” (1986)


Referência:

OLIVER, Mary. The journey. In: __________. Devotions: the selected poems of Mary Oliver. New York, NY: Penguin Books, 2020. p. 349.

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