Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 3 de abril de 2021

Anne Sexton - A Mulher do Fazendeiro

A refletir a sensação de estranhamento da esposa em relação ao parceiro que ao seu lado vive, pressente-se um certo matiz político nos versos deste poema de Sexton, a despeito de sua perspectiva confessional e do caráter privado das íntimas experiências nele descritas.

Um fazendeiro e sua consorte são, por assim dizer, personagens prototípicas nas letras americanas, como que a expressar a aptidão agrícola dos EUA, bem assim a supremacia atribuível a um poder notoriamente masculino: o casal vive há quase dez anos numa próspera região de Illinois, mas, pelo que se minucia em suas linhas, isso não significa que sejam felizes juntos, pois que bastante distintos pela essência.

Percebe-se o desconforto da senhora com o perfil submisso, subalterno, subordinado ou subserviente que lhe é atribuído no seio da família, reservando-se ao marido a chefia ou o comando da estirpe: enquanto ela demonstra estar plenamente consciente da situação, seu cônjuge revela não ter suficiente lucidez para descortinar o contratempo. Não é sem motivos, por conseguinte, que a esposa cogita em estados alternativos ou destrutivos em relação ao amado: “ela o deseja aleijado ou poeta, / ou ainda mais solitário, ou, às vezes, / melhor, meu amado: morto”.

J.A.R. – H.C.

 

Anne Sexton

(1928-1974)

 

The Farmer’s Wife

 

From the hodge porridge

of their country lust,

their local life in Illinois,

where all their acres look

like a sprouting broom factory,

they name just ten years now

that she has been his habit;

as again tonight he’ll say

honey bunch let’s go

and she will not say how there

must be more to living

than this brief bright bridge

of the raucous bed or even

the slow braille touch of him

like a heavy god grown light,

that old pantomime of love

that she wants although

it leaves her still alone,

built back again at last,

mind’s apart from him, living

her own self in her own words

and hating the sweat of the house

they keep when they finally lie

each in separate dreams

and then how she watches him,

still strong in the blowzy bag

of his usual sleep while

her young years bungle past

their same marriage bed

and she wishes him cripple, or poet,

or even lonely, or sometimes,

better, my lover, dead.

 

A esposa do fazendeiro e o corvo

das Fábulas de John Gay

(George Stubbs: pintor inglês)

 

A Mulher do Fazendeiro

 

O guisado misturado,

a lascívia do seu campo,

sua vida local em Illinois,

onde todos os acres parecem

fábricas de vassouras florescentes:

– já faz agora dez anos

que ela é seu hábito;

e novamente hoje de noite

ele dirá vamos, doçura

e ela não lhe dirá o quanto além disso é preciso

para viver, quanto mais do que esta

breve ponte luminosa

da cama estridente ou ainda

mais do que os seus lentos toques em braille,

como os de um pesado deus tornado leve,

esta velha pantomima do amor

que ela deseja, embora

isso continue a deixá-la sozinha,

mais uma vez de volta a si,

a mente separada da dele, vivendo

a si mesma com suas próprias palavras

e detestando a umidade da casa

que neles permanece quando finalmente jazem

em sonhos separados

e a maneira como ela olha para ele

que está ainda forte no envoltório rubicundo

do seu sono habitual, enquanto dela

os anos jovens se estiolaram na mesma

cama de casal

e ela o deseja aleijado ou poeta,

ou ainda mais solitário, ou, às vezes,

melhor, meu amado: morto.


Referência:

SEXTON, Anne. The farmer’s wife / A mulher do fazendeiro. Tradução de Jorge Wanderley. In: WANDERLEY, Jorge (Seleção, tradução e notas). Antologia da nova poesia norte-americana. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1992. Em inglês: p. 270 e 272; em português: p. 271 e 273.

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