A refletir a sensação de estranhamento da esposa em relação ao parceiro que ao seu lado vive, pressente-se um certo matiz político nos versos deste poema de Sexton, a despeito de sua perspectiva confessional e do caráter privado das íntimas experiências nele descritas.
Um fazendeiro e sua consorte são, por assim dizer, personagens prototípicas nas letras americanas, como que a expressar a aptidão agrícola dos EUA, bem assim a supremacia atribuível a um poder notoriamente masculino: o casal vive há quase dez anos numa próspera região de Illinois, mas, pelo que se minucia em suas linhas, isso não significa que sejam felizes juntos, pois que bastante distintos pela essência.
Percebe-se o desconforto da senhora com o perfil submisso, subalterno, subordinado ou subserviente que lhe é atribuído no seio da família, reservando-se ao marido a chefia ou o comando da estirpe: enquanto ela demonstra estar plenamente consciente da situação, seu cônjuge revela não ter suficiente lucidez para descortinar o contratempo. Não é sem motivos, por conseguinte, que a esposa cogita em estados alternativos ou destrutivos em relação ao amado: “ela o deseja aleijado ou poeta, / ou ainda mais solitário, ou, às vezes, / melhor, meu amado: morto”.
J.A.R. – H.C.
Anne Sexton
(1928-1974)
The Farmer’s Wife
From the hodge porridge
of their country lust,
their local life in Illinois,
where all their acres look
like a sprouting broom factory,
they name just ten years now
that she has been his habit;
as again tonight he’ll say
honey bunch let’s go
and she will not say how there
must be more to living
than this brief bright bridge
of the raucous bed or even
the slow braille touch of him
like a heavy god grown light,
that old pantomime of love
that she wants although
it leaves her still alone,
built back again at last,
mind’s apart from him, living
her own self in her own words
and hating the sweat of the house
they keep when they finally lie
each in separate dreams
and then how she watches him,
still strong in the blowzy bag
of his usual sleep while
her young years bungle past
their same marriage bed
and she wishes him cripple, or poet,
or even lonely, or sometimes,
better, my lover, dead.
A esposa do fazendeiro e o corvo
das Fábulas de John Gay
(George Stubbs: pintor inglês)
A Mulher do Fazendeiro
O guisado misturado,
a lascívia do seu campo,
sua vida local em Illinois,
onde todos os acres parecem
fábricas de vassouras florescentes:
– já faz agora dez anos
que ela é seu hábito;
e novamente hoje de noite
ele dirá vamos, doçura
e ela não lhe dirá o quanto além disso é preciso
para viver, quanto mais do que esta
breve ponte luminosa
da cama estridente ou ainda
mais do que os seus lentos toques em braille,
como os de um pesado deus tornado leve,
esta velha pantomima do amor
que ela deseja, embora
isso continue a deixá-la sozinha,
mais uma vez de volta a si,
a mente separada da dele, vivendo
a si mesma com suas próprias palavras
e detestando a umidade da casa
que neles permanece quando finalmente jazem
em sonhos separados
e a maneira como ela olha para ele
que está ainda forte no envoltório rubicundo
do seu sono habitual, enquanto dela
os anos jovens se estiolaram na mesma
cama de casal
e ela o deseja aleijado ou poeta,
ou ainda mais solitário, ou, às vezes,
melhor, meu amado: morto.
Referência:
SEXTON, Anne. The farmer’s wife / A
mulher do fazendeiro. Tradução de Jorge Wanderley. In: WANDERLEY, Jorge
(Seleção, tradução e notas). Antologia da nova poesia norte-americana.
Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1992. Em inglês:
p. 270 e 272; em português: p. 271 e 273.
Nenhum comentário:
Postar um comentário