Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 4 de abril de 2021

Matilde Alba Swann - Neste dia de chuva

Num dia cinzento e com chuva a prantear os telhados, alegadamente no outono da vida, a poetisa lembra-se de sua infância, reencarnando-a ali onde tudo começou, às proximidades do manancial do rio que a trouxe até os dias correntes – autêntico berço líquido onde espera depurar-se do estado pormenorizado, metaforicamente ominoso.

Repercutem na memória as ausências das pessoas com quem manteve contato próximo, cujas vozes metálicas ainda hoje ressoam em seus ouvidos: a chuva, portanto, amolda-se à necessidade de um renascer, de um novo despertar em meio à estação que, mais do que qualquer outra, retrata certa aura etérea de mistério e beleza, de nobreza de ideias e sentimentos.

J.A.R. – H.C.

 

Matilde Alba Swann

(1912-2000)

 

En este día de lluvia

 

Un gris limpio, monótono, inasible,

en este día de lluvia y cielo enfermo,

el corazón del agua está soñando

con bandadas de pájaros de vidrio,

y en la rama otoñal,

junta la ausencia, luces mojadas,

y voces de aluminio.

Hay como un gato gris

rondando en torno, así de blando,

así de ojo amarillo.

 

Es casi tarde, mi niñez descalza,

viene a buscarme por un largo río,

bajo un mar vertical deshilachado,

y un silencio de océano dormido.

Salgo a su encuentro, quedo de su mano,

me desnudo en su piel,

líquida cuna, vuelvo a mi antiguo manantial,

deshago, gota a gota, pausada, mansa, muerta.

Bajo un llanto de techos castigados,

somnolientos, reencarno, soy de lluvia.

 

Sob a chuva

(Franz Marc: pintor alemão)

 

Neste dia de chuva

 

Um cinza limpo, monótono, inapreensível,

neste dia de chuva e céu enfermo,

o coração da água está sonhando

com bandos de pássaros de vidro,

e, no ramo outonal,

juntam-se a ausência, luzes úmidas

e vozes de alumínio.

Há como que um gato cinza

pairando ao redor, assim tão brando,

assim tão amarelo nos olhos.

 

É quase tarde, minha infância descalça

vem à minha procura por um longo rio,

sob um mar vertical desgastado

e um silêncio de oceano adormecido.

Saio ao seu encontro, seguro a sua mão,

dispo-me em sua pele,

berço líquido, volto ao meu antigo manancial,

desfaço-me, gota a gota, morosa, mansa, morta.

Sob um pranto de tetos castigados,

sonolentos, reencarno, sou de chuva.


Referência:

SWANN, Matilde Alba. En este día de lluvia. In: Diario de Colima. Diario Mujer. Colima, MX, año 12, n. 610; miércoles, 28 dic. 2005; p. 1. Disponível neste endereço. Acesso em: 25 fev. 2021.

Nenhum comentário:

Postar um comentário