Num dia cinzento e com chuva a prantear os telhados, alegadamente no outono da vida, a poetisa lembra-se de sua infância, reencarnando-a ali onde tudo começou, às proximidades do manancial do rio que a trouxe até os dias correntes – autêntico berço líquido onde espera depurar-se do estado pormenorizado, metaforicamente ominoso.
Repercutem na memória as ausências das pessoas com quem manteve contato próximo, cujas vozes metálicas ainda hoje ressoam em seus ouvidos: a chuva, portanto, amolda-se à necessidade de um renascer, de um novo despertar em meio à estação que, mais do que qualquer outra, retrata certa aura etérea de mistério e beleza, de nobreza de ideias e sentimentos.
J.A.R. – H.C.
Matilde Alba Swann
(1912-2000)
En este día de lluvia
Un gris limpio, monótono, inasible,
en este día de lluvia y cielo enfermo,
el corazón del agua está soñando
con bandadas de pájaros de vidrio,
y en la rama otoñal,
junta la ausencia, luces mojadas,
y voces de aluminio.
Hay como un gato gris
rondando en torno, así de blando,
así de ojo amarillo.
Es casi tarde, mi niñez descalza,
viene a buscarme por un largo río,
bajo un mar vertical deshilachado,
y un silencio de océano dormido.
Salgo a su encuentro, quedo de su mano,
me desnudo en su piel,
líquida cuna, vuelvo a mi antiguo manantial,
deshago, gota a gota, pausada, mansa, muerta.
Bajo un llanto de techos castigados,
somnolientos, reencarno, soy de lluvia.
Sob a chuva
(Franz Marc: pintor alemão)
Neste dia de chuva
Um cinza limpo, monótono, inapreensível,
neste dia de chuva e céu enfermo,
o coração da água está sonhando
com bandos de pássaros de vidro,
e, no ramo outonal,
juntam-se a ausência, luzes úmidas
e vozes de alumínio.
Há como que um gato cinza
pairando ao redor, assim tão brando,
assim tão amarelo nos olhos.
É quase tarde, minha infância descalça
vem à minha procura por um longo rio,
sob um mar vertical desgastado
e um silêncio de oceano adormecido.
Saio ao seu encontro, seguro a sua mão,
dispo-me em sua pele,
berço líquido, volto ao meu antigo manancial,
desfaço-me, gota a gota, morosa, mansa, morta.
Sob um pranto de tetos castigados,
sonolentos, reencarno, sou de chuva.
Referência:
SWANN, Matilde Alba. En este día de
lluvia. In: Diario de Colima. Diario Mujer. Colima, MX, año 12, n. 610;
miércoles, 28 dic. 2005; p. 1. Disponível neste endereço. Acesso em: 25 fev. 2021.
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