Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 13 de abril de 2021

Seamus Heaney - O Veredicto de Pedra

O poeta dedica estas linhas ao seu falecido pai, cujos restos mortais se encontram enterrados no Cemitério de Bellaghy, Irlanda do Norte – aliás, como os do próprio Seamus Heaney: a primeira estrofe do poema dedica-se a caracterizar tipologicamente a figura paterna perante uma hipotética corte judicial composta por seus pares – junto aos quais vivera, em uma das províncias de Ulster –, à espera muito mais que de uma simples sentença para que se lhe venham a fazer justiça.

A segunda estrofe, em conexão à aventada hipótese, alude ao relato mitológico do julgamento de Hermes – arauto responsável por conduzir os mortos ao além, representado com coturnos, capelo e bordão alados –, por haver matado o servo favorito de Hera, o monstro Argos: os vereditos na forma de pedras foram, um a um, lançados pelos deuses aos pés do reclamado ou de Hera, a depender de quem estes julgassem o lado detentor da razão – no caso, Hermes, então sentenciado inocente no litígio.

J.A.R. – H.C.

 

Seamus Heaney

(1939-2013)

 

The Stone Verdict

 

When he stands in the judgement place

With his stick in his hand and the broad hat

Still on his head, maimed by self doubt

And an old disdain of sweet talk and excuses,

It will be no justice if the sentence is blabbed out.

He will expect more than words in the ultimate court

He relied on through a lifetime’s speechlessness.

 

Let it be like the judgement of Hermes,

God of the stone heap, where the stones were verdicts

Cast solidly at his feet, piling up around him

Until he stood waist deep in the cairn

Of his own absolution: maybe a gate-pillar

Or a tumbled wallstead where hogweed earths the silence

Somebody will break at last to say, ‘Here

His spirit lingers’, and will have said too much.

 

Mercúrio prestes a decapitar Argos

(Ubaldo Gandolfi: pintor italiano)

 

O Veredicto de Pedra

 

Quando ele estiver no lugar do julgamento,

Com a bengala na mão e o chapéu largo

Ainda sobre a cabeça, mutilado pela própria dúvida

E por um velho desdém por palavrórios e escusas,

Justiça não haverá se pronunciada a sentença.

Esperará mais do que palavras na suprema corte,

Em que confiou por toda uma vida sem palavras.

 

Que seja como o julgamento de Hermes, Deus dos moledros,

No qual lançaram-se pedras como veredictos

Solidamente aos seus pés, amontoando-se ao redor,

Até que ficasse engolfado, à altura da cintura, no dólmen

De sua própria absolvição: se calhar, um pilar de portão

Ou um muro arruinado onde a ambrósia mantém o silêncio

Que alguém, ao fim, há de o romper para dizer, ‘Aqui

Perdura o seu espírito’, e muito se terá dito.


Referência:

HEANEY, Seamus. The stone verdict. In: __________. Opened ground: selected poems 1966-1996. New York, NY: Farrar, Straus and Giroux, 1998. p. 280.

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