Com uma sintaxe a tangenciar a iconoclastia, os versos lavrados por Chamie bem lembram a paisagem campestre e a sua costumeira fauna protagonista em salazes rituais de união – cabra, vaca, potro –, mal ciente de que, por ali, espreita uma serpente que torna a bucólica paz do sítio um arranjo protendido num instável equilíbrio.
Para mais, as intempéries, as ervas daninhas e os pássaros vorazes à lavoura intranquilizam o aldeão que, por sua vez, submete-se a uma “paz indormida”, a debilitar-lhe o ânimo. Afinal, quem disse que a vida no campo seria um passeio, ou melhor, pacata e letárgica?!...
J.A.R. – H.C.
Mário Chamie
(1933-2011)
Lavra Lavra
Cabra balindo, a nem pedrês
que posta em rocha exalta
menor cantar de bicho e tosca
no só cruzar o olhar só montanhês.
Vaca pastando, a nem fugaz
que calma em pasto amaina
mugir mover de rês e mansa
no só passear o olhar só contumaz.
Potro correndo, o não veloz
que solto em fuga escolta
correr cansar de fêmea e rosa
no só pairar o olhar só viraluz.
Cobra tinindo, a nem nutriz
que fixa ao salto enfeita
coral mexer de guizo e tesa
no só fincar o olhar só agudez.
– A flora viva, a nem restrita
que torna o arroz a safra o vento
movido estar de ser inquieto campo
no só perder a paz mais indormida.
A paz que ao homem (o só)
consome.
Cavalos puxando arado
(Edvard Munch: pintor norueguês)
Referência:
CHAMIE,
Mário. Lavra lavra. In: __________. Lavra lavra: poemas práxis 1958-1961. São Paulo, SP: Massao Ohno, 1962. p. 15.
Nenhum comentário:
Postar um comentário