A tela em que se firma a “identidade” do poeta exibe, por ora, alguns tons adjetiváveis como impressionistas, carentes de nitidez no traço ou no foco, com o que o vate se põe a autoquestionar-se nesse estágio interposto à meta de plena clareza, diga-se mais nitidamente, pois que imerso num vale de tênues penumbras e ambivalências, no qual a sua figura mostra-se distorcida.
No plano da linguagem, afirma a voz lírica optar preferencialmente pela elipse como figura de estilo, uma vez focada na supressão de termos, quase sempre subentendidos, para reforçar a ideia de intermitência ou de aparição semiplena do discurso ou do próprio poema: sua ofídica língua, enquanto potente “antena”, segue a perscrutar o ambiente à volta e logo se recolhe.
J.A.R. – H.C.
Sebastião Uchoa Leite
(1935-2003)
Metassombro
eu não sou eu
nem o meu reflexo
especulo-me na meia-sombra
que é meta da claridade
distorço-me de intermédio
estou fora de foco
atrás da minha voz
perdi todo discurso
minha língua é ofídica
minha figura é a elipse
Pequeno bufão em transe
(Paul Klee: pintor suíço)
Referência:
LEITE, Sebastião Uchoa. Metassombro.
In: DASSIE, Franklin Alves. Sebastião Uchoa Leite por Franklin Alves Dassie.
Rio de Janeiro, RJ: EdUERJ, 2010. p. 67. (Coleção ‘Ciranda de Poesia’)
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