Num jogo dialogal imaginativo com Haendel (1685-1759) ou, ainda, com uma terceira pessoa ou mesmo consigo próprio, em escuta à famosa peça “O Messias” do compositor, o ente lírico, a despeito de o hino se lhe afigurar como um “indecifrável grão”, deixa-se enredar pelo nível de transformação ou “metamorfose” de que sua força é detentora, com potencial para levitar objetos no ar, como se de uma pintura surrealista emergissem.
Tudo são alegorias, símbolos, conotações, substratos de memórias de um viajor que reclama recriar-se a todo instante, vivendo em novas cidades a cada ano, experimentando o fluxo das estações à beira-mar, onde possa se ambientar às águas no seu infinito fluxo e refluxo – ou noutro bosquejo, ao talante de um rio profundo, presumivelmente visionário, que bem se apraz em levá-lo daqui para ali ou vice-versa, conforme lhe apetece.
J.A.R. – H.C.
Rosamel del Valle
(1901-1965)
Metamorfosis
Una noche para el senor Haendel, ¿recuerdas? El
Mesías, tal vez.
Pero la nieve hablaba de un dios frio, de un tiempo
extraño.
No extraño a causa de la aparente singularidad,
sino como
consecuencia de Ia música, por Ias transformaciones
menos dudosas que los propósitos. “La tierra está
fría”,
decían tus manos al desgranar la nieve. “Como
cuando el corazón está solo”. En una ciudad nueva
cada ano,
puesto que en Navidad resucitan las cosas para el
sueno de un día.
¿Verdad, señor Haendel? Siquiera un día distinto
para esto que somos con infinitas complicaciones,
por negar o aceptar mientras un río profundo nos
lleva
de un lado a otro sin explicación alguna.
“Es bello flotar, así flotan los extraños objetos
que amanecen en Ias playas y que nadie reconoce”.
¿Vienen de algún naufrágio? Y qué importa, todos
venimos de un naufrágio aunque no lo sepamos.
“En aquel país el sol era distinto, acariciaba. En
cambio,
no recuerdo dónde, hería o hablaba. Y cuando lo
grande hiere
o habla, es lo infinito”. El Aleluya hiere,
golpea
en la roca, pero no habla. Se ve, sí, el mar
crecido
y uno es ahí una pequena ola sin raíces, más muerte
que vida. Sin embargo, qué ardor en los huesos.
Ellos ven
desde lejos el país que los espera. Oh y no les
creemos,
¿verdad, senor Haendel? Tampoco usted creyó mucho en
eso,
cantando tan fuerte para disculparse. Además,
usted se va y nos deja solos. Deberíamos seguirlo,
mas
esa gruesa noche suya nos lo impide y el glorioso
himno que nos dejó es un grano indescifrable.
En: “El corazón escrito” (1960)
Construção no andar de cima
(Vladimir Kush: pintor russo)
Metamorfose
Uma noite para o Sr. Haendel, recordas? O
Messias, talvez.
Mas a neve falava de um deus frio, de um tempo
estranho.
Não estranho a causa da aparente singularidade, mas
como
consequência da música, pelas transformações
menos duvidosas que os propósitos. “A terra está
fria”,
diziam tuas mãos ao revolver a neve. “Como
quando o coração está sozinho”. Numa cidade nova a
cada ano,
pois que no Natal as coisas ressuscitam para o
sonho de um dia.
Certo, Sr. Haendel? Ainda que seja um dia diferente
para isto que somos com infinitas complicações,
para negar ou aceitar enquanto um rio profundo nos
leva
de um lado para o outro sem qualquer explicação.
“É belo flutuar, assim como flutuam os estranhos
objetos
que amanhecem nas praias e ninguém os reconhece”.
Vêm de algum naufrágio? E o que importa, todos
vimos de um naufrágio, ainda que não o saibamos.
“Naquele país o sol era diferente, acariciava. Por
outro lado,
não me lembro onde, feria ou falava. E quando o
grande fere
ou fala, é o infinito”. O Aleluia
fere, choca-se contra
a rocha, mas não fala. Vê-se, sim, a preamar
e um quê é ali uma pequena onda sem raízes, mais
morte
que vida. No entanto, quanto ardor nos ossos. Eles
veem
de longe o país que os espera. Oh, e neles não
acreditamos,
certo, Sr. Haendel? Tampouco você acreditou muito
nisso,
cantando tão alto para se desculpar. Além disso,
você vai embora e nos deixa em paz. Deveríamos
segui-lo, mas
essa sua densa noite nos impede e o glorioso
hino que nos deixou é um grão indecifrável.
Em: “O coração escrito” (1960)
Referência:
VALLE, Rosamel del. Metamorfosis. In:
CALDERÓN, Alfonso (Ed.). Antología de la poesía chilena contemporánea.
Santiago, CL: Editorial Universitaria, mar. 1971. p. 110.
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