Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 10 de abril de 2021

Rosamel del Valle - Metamorfose

Num jogo dialogal imaginativo com Haendel (1685-1759) ou, ainda, com uma terceira pessoa ou mesmo consigo próprio, em escuta à famosa peça “O Messias” do compositor, o ente lírico, a despeito de o hino se lhe afigurar como um “indecifrável grão”, deixa-se enredar pelo nível de transformação ou “metamorfose” de que sua força é detentora, com potencial para levitar objetos no ar, como se de uma pintura surrealista emergissem.

Tudo são alegorias, símbolos, conotações, substratos de memórias de um viajor que reclama recriar-se a todo instante, vivendo em novas cidades a cada ano, experimentando o fluxo das estações à beira-mar, onde possa se ambientar às águas no seu infinito fluxo e refluxo – ou noutro bosquejo, ao talante de um rio profundo, presumivelmente visionário, que bem se apraz em levá-lo daqui para ali ou vice-versa, conforme lhe apetece.

J.A.R. – H.C.

 

Rosamel del Valle

(1901-1965)

 

Metamorfosis

 

Una noche para el senor Haendel, ¿recuerdas? El Mesías, tal vez.

Pero la nieve hablaba de un dios frio, de un tiempo extraño.

No extraño a causa de la aparente singularidad, sino como

consecuencia de Ia música, por Ias transformaciones

menos dudosas que los propósitos. “La tierra está fría”,

decían tus manos al desgranar la nieve. “Como

cuando el corazón está solo”. En una ciudad nueva cada ano,

puesto que en Navidad resucitan las cosas para el sueno de un día.

¿Verdad, señor Haendel? Siquiera un día distinto

para esto que somos con infinitas complicaciones,

por negar o aceptar mientras un río profundo nos lleva

de un lado a otro sin explicación alguna.

“Es bello flotar, así flotan los extraños objetos

que amanecen en Ias playas y que nadie reconoce”.

¿Vienen de algún naufrágio? Y qué importa, todos

venimos de un naufrágio aunque no lo sepamos.

“En aquel país el sol era distinto, acariciaba. En cambio,

no recuerdo dónde, hería o hablaba. Y cuando lo grande hiere

o habla, es lo infinito”. El Aleluya hiere, golpea

en la roca, pero no habla. Se ve, sí, el mar crecido

y uno es ahí una pequena ola sin raíces, más muerte

que vida. Sin embargo, qué ardor en los huesos. Ellos ven

desde lejos el país que los espera. Oh y no les creemos,

¿verdad, senor Haendel? Tampoco usted creyó mucho en eso,

cantando tan fuerte para disculparse. Además,

usted se va y nos deja solos. Deberíamos seguirlo, mas

esa gruesa noche suya nos lo impide y el glorioso

himno que nos dejó es un grano indescifrable.

 

En: “El corazón escrito” (1960)

 

Construção no andar de cima

(Vladimir Kush: pintor russo)

 

Metamorfose

 

Uma noite para o Sr. Haendel, recordas? O Messias, talvez.

Mas a neve falava de um deus frio, de um tempo estranho.

Não estranho a causa da aparente singularidade, mas como

consequência da música, pelas transformações

menos duvidosas que os propósitos. “A terra está fria”,

diziam tuas mãos ao revolver a neve. “Como

quando o coração está sozinho”. Numa cidade nova a cada ano,

pois que no Natal as coisas ressuscitam para o sonho de um dia.

Certo, Sr. Haendel? Ainda que seja um dia diferente

para isto que somos com infinitas complicações,

para negar ou aceitar enquanto um rio profundo nos leva

de um lado para o outro sem qualquer explicação.

“É belo flutuar, assim como flutuam os estranhos objetos

que amanhecem nas praias e ninguém os reconhece”.

Vêm de algum naufrágio? E o que importa, todos

vimos de um naufrágio, ainda que não o saibamos.

“Naquele país o sol era diferente, acariciava. Por outro lado,

não me lembro onde, feria ou falava. E quando o grande fere

ou fala, é o infinito”. O Aleluia fere, choca-se contra

a rocha, mas não fala. Vê-se, sim, a preamar

e um quê é ali uma pequena onda sem raízes, mais morte

que vida. No entanto, quanto ardor nos ossos. Eles veem

de longe o país que os espera. Oh, e neles não acreditamos,

certo, Sr. Haendel? Tampouco você acreditou muito nisso,

cantando tão alto para se desculpar. Além disso,

você vai embora e nos deixa em paz. Deveríamos segui-lo, mas

essa sua densa noite nos impede e o glorioso

hino que nos deixou é um grão indecifrável.

 

Em: “O coração escrito” (1960)


Referência:

VALLE, Rosamel del. Metamorfosis. In: CALDERÓN, Alfonso (Ed.). Antología de la poesía chilena contemporánea. Santiago, CL: Editorial Universitaria, mar. 1971. p. 110.

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