Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Ronald de Carvalho - A Estrada Sem Fim

Embora possa ser lido em sua dicção denotativa – um homem em sua lida diária, percorrendo um cenário natural, integrado por selva, rios, vulcões, landes e tudo mais –, o infratranscrito poema comporta, sem dúvida, um sentido conotativo, caso se considere todo o seu traçado um esboço metafórico para os trânsitos da vida humana: juventude, maturidade, velhice e morte.

Ao homem não é dado conhecer o que há para além dessa estrada: a morte engendra uma panóplia de teorias a hipostasiar existências além-túmulo. Há, também, aqueles que, como o compositor Gilberto Gil (G.G.), espelham certo pirronismo sobre o sentido último da vida: diz ele, em “Se eu quiser falar com Deus”, que, seja o que for tal propósito, há de caminhar decidido por essa estrada – “que ao findar vai dar em nada do que eu pensava encontrar”! Remanesce a pergunta irrespondível: se o Eterno não encontrar, G.G. deparar-se-á com o quê?!

J.A.R. – H.C.

 

Ronald de Carvalho

(1893-1935)

Por Vicente do Rego Monteiro

 

A Estrada Sem Fim

 

Dentre uma leve espuma, em rondas suaves,

A madrugada rompe. Um canto de ânsia

Sobe da selva funda e sossegada,

E agita as frondes no ar sonoro de aves.

 

O homem levanta as mãos para a distância

Que surge, lentamente, em sua estrada;

E o passo audaz, sereno, a alma confiante,

Sobre pedras e espinhos caminhando,

O tempo que floresce no quadrante

Vai, solitário e alegre, desfolhando...

 

Ao sol do meio dia, quando o espaço

Toma os contornos de um castelo mouro,

E o céu em chamas, lembra um rio de aço

Entre escarpas de brasa e vulcões de ouro,

O homem para, abre os olhos, e medita

Na solidão das landes, infinita!

 

Depois, a tarde cobre todo o ambiente

Com as imagens sonâmbulas, estranhas,

De uma renda de cinza transparente;

E, enquanto, pouco e pouco, tremulando,

Num chuveiro de sóis a noite desce,

O homem, erguendo as mãos inutilmente

À distância, que vai sempre aumentando,

Entre abismos, torrentes e montanhas,

Pela estrada sem fim desaparece...

 

A Estrada Sem Fim

(Dejan Trajkovic: pintor sérvio)


Referência:

CARVALHO, Ronald de. A estrada sem fim. In: __________. Poemas e sonetos. Obra premiada pela Academia de Letras. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro & Maurillo Editores, 1919. p. 123-124.

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