Embora possa ser lido em sua dicção denotativa – um homem em sua lida diária, percorrendo um cenário natural, integrado por selva, rios, vulcões, landes e tudo mais –, o infratranscrito poema comporta, sem dúvida, um sentido conotativo, caso se considere todo o seu traçado um esboço metafórico para os trânsitos da vida humana: juventude, maturidade, velhice e morte.
Ao homem não é dado conhecer o que há para além dessa estrada: a morte engendra uma panóplia de teorias a hipostasiar existências além-túmulo. Há, também, aqueles que, como o compositor Gilberto Gil (G.G.), espelham certo pirronismo sobre o sentido último da vida: diz ele, em “Se eu quiser falar com Deus”, que, seja o que for tal propósito, há de caminhar decidido por essa estrada – “que ao findar vai dar em nada do que eu pensava encontrar”! Remanesce a pergunta irrespondível: se o Eterno não encontrar, G.G. deparar-se-á com o quê?!
J.A.R. – H.C.
Ronald de Carvalho
(1893-1935)
Por Vicente do Rego Monteiro
A Estrada Sem Fim
Dentre uma leve espuma, em rondas suaves,
A madrugada rompe. Um canto de ânsia
Sobe da selva funda e sossegada,
E agita as frondes no ar sonoro de aves.
O homem levanta as mãos para a distância
Que surge, lentamente, em sua estrada;
E o passo audaz, sereno, a alma confiante,
Sobre pedras e espinhos caminhando,
O tempo que floresce no quadrante
Vai, solitário e alegre, desfolhando...
Ao sol do meio dia, quando o espaço
Toma os contornos de um castelo mouro,
E o céu em chamas, lembra um rio de aço
Entre escarpas de brasa e vulcões de ouro,
O homem para, abre os olhos, e medita
Na solidão das landes, infinita!
Depois, a tarde cobre todo o ambiente
Com as imagens sonâmbulas, estranhas,
De uma renda de cinza transparente;
E, enquanto, pouco e pouco, tremulando,
Num chuveiro de sóis a noite desce,
O homem, erguendo as mãos inutilmente
À distância, que vai sempre aumentando,
Entre abismos, torrentes e montanhas,
Pela estrada sem fim desaparece...
A Estrada Sem Fim
(Dejan Trajkovic: pintor sérvio)
Referência:
CARVALHO, Ronald de. A estrada sem fim.
In: __________. Poemas e sonetos. Obra premiada pela Academia de Letras.
Rio de Janeiro: Leite Ribeiro & Maurillo Editores, 1919. p. 123-124.
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