Borges aponta para o lado de nossas personalidades que nos deixa mais perplexos: o de muito anelarmos e amarmos aquilo que desconhecemos, quando seria mais razoável, talvez, exteriorizar bem querer por aquilo que já é do nosso conhecimento e que, por conseguinte, em nenhum momento nos decepcionará ou passará por algo que, em sua essência, não se equipara ao que, antes, imagináramos.
De fato, o que o autor argentino consigna são matérias que se decantaram em seu espírito e que já não necessitam estar tangivelmente presentes para poderem ser chamadas de “suas”, ainda que não tenha havido um pleno inteirar-se acerca do que dizem respeito – a álgebra, o xadrez, a filosofia de Schopenhauer, o grau de magnitude do nome de Shakespeare ou símiles –, numa ilustração que é o seu próprio estado de felicidade.
J.A.R. – H.C.
Jorge Luis Borges
(1899-1986)
Lo nuestro
Amamos lo que no conocemos, lo ya perdido.
El barrio que fue las orillas.
Los antiguos, que ya no pueden defraudarnos,
porque son mito y esplendor.
Los seis volúmenes de Schopenhauer,
que no acabaremos de leer.
El recuerdo, no la lectura, de la segunda parte del
Quijote.
El Oriente, que sin duda no existe para el afgano,
el persa o el tártaro.
Nuestros mayores, con los que no podríamos
conversar
durante un cuarto de hora.
Las cambiantes formas de la memoria,
que está hecha de olvido.
Los idiomas que apenas desciframos.
Algún verso latino o sajón, que no es otra cosa que
un hábito.
Los amigos que no pueden faltarnos,
porque se han muerto.
El ilimitado nombre de Shakespeare.
La mujer que está a nuestro lado y que es tan
distinta.
El ajedrez y el álgebra, que no sé.
Natureza-morta com livros
(Fernando Botero: artista colombiano)
O nosso
Amamos o que não conhecemos, o já perdido.
O bairro que foi arredores.
Os antigos que não nos decepcionarão mais
porque são mito e esplendor.
Os seis volumes de Schopenhauer
que jamais terminamos de ler.
A saudade, não a leitura, da segunda parte do
Quixote.
O Oriente que, na verdade, não existe para o
afegão,
o persa ou o tártaro.
Os mais velhos, com quem não conseguiríamos
conversar durante um quarto de hora.
As mutantes formas da memória,
que está feita do esquecido.
Os idiomas que mal deciframos.
Um ou outro verso latino ou saxão que não é mais
do que um hábito.
Os amigos que não podem faltar
porque já morreram.
O ilimitado nome de Shakespeare.
A mulher que está a nosso lado e que é tão diversa.
O xadrez e a álgebra, que não sei.
Folhetim, 19.08.84
Referências:
Em Espanhol
BORGES, Jorge Luis. El nuestro. In: __________. Textos recobrados: 1956-1986. Buenos Aires, AR: Emecé Editores, 2003. p. 236.
Em Português
BORGES, Jorge Luis. O nosso. Tradução
de Cleber Teixeira, Walter Costa e Raúl Antelo. In: SUZUKI JR., Matinas;
ASCHER, Nelson (Organizadores). Folhetim: poemas traduzidos. São Paulo,
SP: Folha de São Paulo, 1987. p. 31.
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