Árdua é a tarefa do poeta em descrever o panorama desolador em que vivem milhões de brasileiros, atirados em áreas de invasões – esquecidos, deliberadamente ou não, pelas políticas levadas à frente pelo Estado –, sem quaisquer direitos que, minimamente, estejam associados à salvaguarda da dignidade da pessoa humana.
Desabrigados, prófugos, desempregados, um amplo contingente que somente se considera nas estatísticas populacionais oficiais, mas que, para tudo mais, é mantido à margem neste vasto país-continente: são os brasileiros cingidos pela desesperança, sem perspectivas de futuro, diante da reiterada rapinagem do próprio Estado pelos que estão do outro lado da distribuição societal.
J.A.R. – H.C.
Cassiano Nunes
(1921-2007)
Invasões
a Darcy Ribeiro
O país é tão vasto
mas o seu povo
não tem onde morar.
Sua gente se aterra
por que não tem terra!
Não há terra,
onde essa planta
– o homem –
posso vicejar.
O Brasil
é um quase-continente
que cospe ou vomita
a sua gente.
Temos bandeira,
soldados e hino nacional,
mas não possuímos
um chão
com coração
que abrigue o marginal...
Posto à margem,
Jeca Tatu,
o infeliz,
vê a vargem
como miragem.
Não pertence ao país.
O brasileiro
é cupim,
a que nunca se diz “sim”.
E o nosso não
quer dizer sempre
expulsão.
E o homem-rato
resiste,
intrépido,
em invasão.
Mas toda invasão
gera nova expulsão.
E nenhum presidente
dá a solução.
É letra morta (ou parva)
a Constituição.
Povo é palavra
só para comício.
Finda a eleição,
prossegue o sacrifício.
Sim, a cada invasão
sucede uma expulsão
e o povo vai sempre
lançado para a frente
como lixo.
O indigente
que não é gente.
É Bicho!
Só dado estatístico
na contagem,
para depois ficar à margem.
Ouves agora
os tiros, o bélico impropério
E o latifúndio “coronel”,
com o seu fel,
impondo o seu império...
Acaso chegou, pérfido,
o invasor estrangeiro?
Não. É um brasileiro
esmagando outro brasileiro.
Essa gente caída,
sofrida,
destemida,
não dá pena ver?
Presta atenção
com emoção:
é o povo brasileiro
recusando-se a morrer...
Homem sem-teto
(Marten Jansen: pintor holandês)
Referência:
NUNES, Cassiano. Invasões. In: SOUZA,
Aglaia et al. Caliandra: poesia em Brasília. Brasília, DF: André Quicé
Editor, 1995. p. 53-55.
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