Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Cassiano Nunes - Invasões

Árdua é a tarefa do poeta em descrever o panorama desolador em que vivem milhões de brasileiros, atirados em áreas de invasões – esquecidos, deliberadamente ou não, pelas políticas levadas à frente pelo Estado –, sem quaisquer direitos que, minimamente, estejam associados à salvaguarda da dignidade da pessoa humana.

Desabrigados, prófugos, desempregados, um amplo contingente que somente se considera nas estatísticas populacionais oficiais, mas que, para tudo mais, é mantido à margem neste vasto país-continente: são os brasileiros cingidos pela desesperança, sem perspectivas de futuro, diante da reiterada rapinagem do próprio Estado pelos que estão do outro lado da distribuição societal.

J.A.R. – H.C.

 

Cassiano Nunes

(1921-2007)

 

Invasões

 

a Darcy Ribeiro

 

O país é tão vasto

mas o seu povo

não tem onde morar.

Sua gente se aterra

por que não tem terra!

Não há terra,

onde essa planta

– o homem –

posso vicejar.

 

O Brasil

é um quase-continente

que cospe ou vomita

a sua gente.

Temos bandeira,

soldados e hino nacional,

mas não possuímos

um chão

com coração

que abrigue o marginal...

Posto à margem,

Jeca Tatu,

o infeliz,

vê a vargem

como miragem.

 

Não pertence ao país.

O brasileiro

é cupim,

a que nunca se diz “sim”.

E o nosso não

quer dizer sempre

expulsão.

E o homem-rato

resiste,

intrépido,

em invasão.

Mas toda invasão

gera nova expulsão.

E nenhum presidente

dá a solução.

É letra morta (ou parva)

a Constituição.

Povo é palavra

só para comício.

Finda a eleição,

prossegue o sacrifício.

Sim, a cada invasão

sucede uma expulsão

e o povo vai sempre

lançado para a frente

como lixo.

O indigente

que não é gente.

É Bicho!

Só dado estatístico

na contagem,

para depois ficar à margem.

 

Ouves agora

os tiros, o bélico impropério

E o latifúndio “coronel”,

com o seu fel,

impondo o seu império...

Acaso chegou, pérfido,

o invasor estrangeiro?

Não. É um brasileiro

esmagando outro brasileiro.

Essa gente caída,

sofrida,

destemida,

não dá pena ver?

Presta atenção

com emoção:

é o povo brasileiro

recusando-se a morrer...

 

Homem sem-teto

(Marten Jansen: pintor holandês)


Referência:

NUNES, Cassiano. Invasões. In: SOUZA, Aglaia et al. Caliandra: poesia em Brasília. Brasília, DF: André Quicé Editor, 1995. p. 53-55.

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