Num tom sombrio e apocalíptico, nos derradeiros dias de um provável outono (ou, quiçá, verão), o cenário da gleba retratada por Trakl desponta ermo e desolador, nele sobressaindo apenas restolhos, a sugerir que a colheita do que ali se plantou já ocorrera, remanescendo apenas uma solitária árvore, desvestida de suas folhas, e as cabanas vazias, assaltadas por um vento sibilante.
O que o poeta descreve mais parece a sequência de um pesadelo, para o qual declina as suas subjetivas comoções: de fato, é a desilusão religiosa do ente lírico que está em jogo, um “De Profundis” que assoma como desenganada prece por uma alma que já vê extinguir-se o sopro de sua vida – metaforizado pela luz em sua boca.
As imagens das segunda e terceira estrofes são plenas de referentes bíblicos, de uma expectativa por um encontro redentor com Deus que resulta malogrado, a revelar descrença nas promessas cristãs, num mundo de solidão e esperanças frustradas: os anjos cristalinos a reboar, mencionados nas últimas linhas do poema, talvez revelem um chamado divino para retorno a um estado de presença e credulidade.
J.A.R. – H.C.
Georg Trakl
(1887-1914)
De Profundis
Es ist ein Stoppelfeld, in das ein schwarzer Regen
fällt.
Es ist ein brauner Baum, der einsam dasteht.
Es ist ein Zischelwind, der leere Hütten umkreist.
Wie traurig dieser Abend.
Am Weiler vorbei
Sammelt die sanfte Waise noch spärliche Ähren ein.
Ihre Augen weiden rund und goldig in der Dämmerung
Und ihr Schoß harrt des himmlischen Bräutigams.
Bei ihrer Heimkehr
Fanden die Hirten den süßen Leib
Verwest im Dornenbusch.
Ein Schatten bin ich ferne finsteren Dörfern.
Gottes Schweigen
Trank ich aus dem Brunnen des Hains.
Auf meine Stirne tritt kaltes Metall.
Spinnen suchen mein Herz.
Es ist ein Licht, das meinen Mund erlöscht.
Nachts fand ich mich auf einer Heide,
Starrend von Unrat und Staub der Sterne.
Im Haselgebüsch
Klangen wieder kristallne Engel.
Casas de Fazenda entre Árvores
(Vincent van Gogh: pintor holandês)
De Profundis
Há um campo de restolhos no qual se
precipita
uma chuva negra.
Há uma árvore parda que ali se ergue
solitária.
Há um sibilante vento que gira à volta
das cabanas vazias.
Quão lúgubre é este pôr de sol.
Para além do vilarejo,
A meiga órfã recolhe espigas de milho
esparsas.
Seus olhos regalam-se redondos e
dourados no crepúsculo.
E seu colo anseia pelo noivo celestial.
Quando regressaram a casa,
Os pastores encontraram o tenro corpo
A decompor-se entre as sarças de espinhos.
Uma sombra eu sou, distante de soturnas
aldeias.
O silêncio de Deus
Bebi no manancial do bosque.
Frio metal preme minha fronte.
Aranhas procuram meu coração.
Há uma luz que se extingue em minha
boca.
À noite vi-me num charco,
Rodeado por detritos e poeira estelar.
Nos arbustos da aveleira,
Anjos cristalinos voltaram a ressonar.
Referência:
TRAKL, Georg. De profundis. In:
__________. Poems and prose. A bilingual edition: German x English.
Translations, introduction and notes by Alexander Stillmark. Evanston, IL: Northwestern
University Press, 2005. p. 14.
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