Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Victor Hugo - Abismo: O Homem (Excerto)

Esta grandiloquente e encomiástica representação épica do homem – fazendo frente ao universo, como um soberano sobre a Terra – foi transcrita à coletânea de poemas de Hugo intitulada “La Légende des Siècles (“A Legenda dos Séculos”), toda ela publicada em três séries, a saber, em 1859, em 1877 – série a que pertence o poema em apreço – e em 1883.

Aparecem entremeados nos versos do autor francês o visionário, o sublime, o controvertível e mesmo o lírico, num estilo hiperbólico, bem ao feitio clássico, voltado a despertar o lado mais emotivo do leitor. Seja como for, a imaginação de Hugo, simbólica e antropomórfica, desencadeia estampas indeléveis, dotadas de um poder para tornar cativa qualquer mente que se disponha a compulsar as obras do autor francês.

J.A.R. – H.C.

 

Victor Hugo

(1802-1885)

 

Abîme: L’Homme

 

Je suis l’esprit, vivant au sein des choses mortes.

Je sais forger les clefs quand on ferme les portes;

Je fais vers le désert reculer le lion;

Je m’appelle Bacchus, Noé, Deucalion;

Je m’appelle Shakspeare, Annibal, César, Dante;

Je suis le conquérant; je tiens l’épée ardente,

Et j’entre, épouvantant l’ombre que je poursuis,

Dans toutes les terreurs et dans toutes les nuits.

Je suis Platon, je vois; je suis Newton, je trouve.

Du hibou je fais naître Athène, et de la louve

Rome; et l’aigle m’a dit: Toi, marche le premier!

J’ai Christ dans mon sépulcre et Job sur mon fumier.

Je vis! dans mes deux mains je porte en équilibre

L’âme et la chair; je suis l’homme, enfin maître et libre!

Je suis l’antique Adam! j’aime, je sais, je sens;

J’ai pris l’arbre de vie entre mes poings puissants;

Joyeux, je le secoue au-dessus de ma tête,

Et, comme si j’étais le vent de la tempête,

J’agite ses rameaux d’oranges d’or chargés,

Et je crie: “Accourez, peuples! prenez, mangez!”

Et je fais sur leurs fronts tomber toutes les pommes;

Car, science, pour moi, pour mes fils, pour les hommes,

Ta sève à flots descend des cieux pleins de bonté,

Car la Vie est ton fruit, racine Éternité!

Et tout germe, et tout croît, et, fournaise agrandie,

Comme en une forêt court le rouge incendie,

Le beau Progrès vermeil, l’oeil sur l’azur fixé,

Marche, et tout en marchant dévore le passé.

Je veux, tout obéit, la matière inflexible

Cède; je suis égal presque au grand Invisible;

Coteaux, je fais le vin comme lui fait le miel;

Je lâche comme lui des globes dans le ciel.

Je me fais un palais de ce qui fut ma geôle;

J’attache un fil vivant d’un pôle à l’autre pôle;

Je fais voler l’esprit sur l’aile de l’éclair;

Je tends l’arc de Nemrod, le divin arc de fer,

Et la flèche qui siffle et la flèche qui vole,

Et que j’envoie au bout du monde, est ma parole.

Je fais causer le Rhin, le Gange et l’Orégon

Comme trois voyageurs dans le même wagon.

La distance n’est plus. Du vieux géant Espace

J’ai fait un nain. Je vais, et, devant mon audace,

Les noirs titans jaloux lèvent leur front flétri;

Prométhée, au Caucase enchaîné, pousse un cri,

Tout étonné de voir Franklin voler la foudre;

Fulton, qu’un Jupiter eût mis jadis en poudre,

Monte Léviathan et traverse la mer;

Galvani, calme, étreint la mort au rire amer;

Volta prend dans ses mains le glaive de l’archange

Et le dissout; le monde à ma voix tremble et change;

Caïn meurt, l’avenir ressemble au jeune Abel;

Je reconquiers Éden et j’achève Babel.

Rien sans moi. La nature ébauche; je termine.

Terre, je suis ton roi.

 

Autorretrato com chapéu

(Paul Gauguin: pintor francês)

 

Abismo: O Homem

 

Sou o espírito, vivo em meio às coisas mortas.

As chaves sei forjar quando fecham-se as portas.

Para o deserto faço afastar-se o leão;

Baco e Noé me chamo, e também Deucalião;

E Shakespeare me chamo, e Aníbal, César, Dante;

Sou o conquistador; a espada empunho, arfante,

E apavorando a sombra eu vou, com meu açoite,

A persegui-la em cada horror e cada noite.

Eu sou Platão, eu vi; sou Newton, encontrei;

Do mocho fiz nascer Atenas, e tirei

Da loba Roma; a mim disse a águia: – Vai primeiro!

Cristo no meu sepulcro está, Jó no chiqueiro.

Eu vivo! Em minhas mãos em equilíbrio estão

A alma e a carne; homem sou; sou livre, sou patrão,

Eu sou o antigo Adão! eu amo, eu sinto, eu sei;

Da vida a árvore em meus punhos rijos tomei.

E acima da cabeça a levantei, violento;

Qual se na tempestade eu fosse o rudo vento,

Os galhos sacudi, com seus frutos dourados,

Gritando: – Amigos meus, comei, ficai saciados!

Mas sobre cada fronte um pomo eu já jogara;

Pois, ciência, para mim, para meus filhos, para

O homem, tua seiva vem do céu rico em bondade,

Pois a vida é teu fruto, ó germe Eternidade!

E tudo brota e cresce e, fornalha gigante,

Como em uma floresta o incêndio corre adiante,

O Progresso é vermelho, o olho no azul se some,

Tudo marcha, e ao marchar o passado consome.

Eu quero, tudo cede, a matéria inflexível

Obedece; eu sou quase igual ao Invisível;

Outeiros, faço o vinho enquanto ele faz mel;

Como ele eu dissemino os globos pelo céu;

Do que me fora cela um palácio eu suponho;

De um polo a outro polo um fio vivo ponho;

Faço o espírito voar, na asa do raio o encerro;

De Nemrod o arco estendo, o santo arco de ferro,

E a flecha que assovia, e que o espaço escalavra,

E ao fim do mundo envio, é a minha palavra.

O Reno e o Oregon e o Ganges, tão distantes,

Eu faço conversar, como três viajantes.

A distância morreu. Do velho e imenso Espaço

Fiz um anão. Eu vou, e com audácia faço

Um ciumento titã erguer a fronte, aflito;

Pasmado, Prometeu dá no Cáucaso um grito,

Ao ver Franklin o raio aos Imortais roubar;

Fulton, que Jove em pó iria transformar,

Monta em Leviatã e o oceano ultrapassa;

Galvani, calmo, a morte, a rir amarga, abraça;

Volta toma do arcanjo o gládio, que dissolve;

O mundo à minha voz transmuda-se e revolve;

Caim morre, o futuro é jovem como Abel;

O Éden eu reconquisto e termino Babel.

Nada sem mim. Esboça a natura; eu completo.

Ó Terra, eu sou teu rei.


Referência:

HUGO, Victor. Abîme: l’homme / Abismo: o homem. Tradução de José Jeronymo Rivera. In: RIVERA, José Jeronymo (Organização e Tradução). Poesia francesa: pequena antologia bilíngue. 2. ed. revista e aumentada. Brasília, DF: Thesaurus, 2005. Em francês: p. 60 e 62; em português: p. 61 e 63.

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