Da metapoética se ocupa o escritor francês para, vasculhando o sentido
etimológico da parte derradeira (seria o mesmo que dizer “sufixal”?) que compõe
o vocábulo “poema”, concluir que deste há de fluir sangue, enquanto veículo de
uma “poesia ética” – não exatamente a que se veicula pela “língua erótica da
obscena madame pequeno-burguesa”.
Uma pequena observação: não encontrei na grande rede o original completo
em francês, somente alguns excertos, aqui e acolá. Uma desdita, porque o
internauta certamente já terá percebido que costumo lhe obsequiar,
conjuntamente a eventuais traduções ao português – como no presente caso –, a
escrita no idioma original, para que possa confrontá-las, concluindo assim
pelos méritos e deméritos da versão na língua pátria.
J.A.R. – H.C.
Antonin Artaud
(1896-1948)
Poesia
Porque eu, o que eu
amo é a poesia.
Sim, porque o obsceno
da coisa é que a língua pequeno-burguesa,
a lambida de língua
erótica de madame Obscena Pequeno- Burguesa,
sempre amou a poesia.
Digo a poesia poesia,
a poesia poética ética, belo soluço sobre
fundo sangrento, o
fundo recalcado em poemática, a poemática do
real supersangrento. Porque
depois, diz: “poemática”, depois virá
o tempo do sangue.
Pois que ema, em grego, quer dizer sangue,
e que o po-ema deve
querer dizer
depois:
o sangue
o sangue depois.
Façamos primeiro
poema, com sangue.
Comeremos o tempo do
sangue.
E para diante o po-ema
em canto. E sem sangue.
Porque o que era
feito com sangue, disso fizemos um poema.
E de que vem o canto
gregoriano (estupro, que aparenta ser uma
emulsão de sangue),
De que vieram certos
mantras tibetanos?
De ter querido evitar
o sangue, de ter destilado para sempre o sangue,
e nesse sangue o real
verídico para dele fazer o que a gente chama
hoje
poesia.
Madame Jacques-Louis Leblanc
(Jean-Auguste D. Ingres: pintor francês)
Referência:
ARTAUD, Antonin. Poesia. Tradução de
Ferreira Gullar. In: GULLAR, Ferreira (Org.). O prazer do poema: uma antologia pessoal. Rio de Janeiro, RJ:
Edições de Janeiro, 2014. p. 35.
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