Andrade, uma das figuras proeminentes do Modernismo Brasileiro, quando
se dispunha a tanto, também era capaz de belos sonetos, como o que ora
postamos, para ilustrar. O tema? Ora ora, um daqueles que já tantas laudas,
tantas películas, tantos comentos já se declinaram para tecer loas à sua
genialidade – Wolfgang Amadeus Mozart, o célebre músico de Salzburgo, Áustria.
Em tempos de pandemia pelo coronavírus, chega a ser um insulto
imaginarmos que uma figura exponencial como Mozart – que, pródigo com a vida,
deixou-nos tantas belezas – tenha sido sepultado em uma vala comum em fins do
século dezoito, conforme a prática da época para indivíduos da classe média.
Menos pior que as criações do compositor hajam permanecido, estando os despojos
do criador no anonimato.
J.A.R. – H.C.
Mário de Andrade
(1893-1945)
Mozart
Morrer como Mozart!…
Deixando a face
da terra presa a um
fúnebre lamento…
Aguaceiros, trovões
nesse momento,
como se, à dor, o
próprio Deus chorasse…
Sem ter quem visse, a
lampejar fugace
do raio onde o
coveiro hirto praguento,
nessa vala comum do
esquecimento
meu inútil cadáver
atirasse…
Se, como a dele, em
prantos, no outro dia
uma mulher me fosse
levar flores,
ninguém o meu lugar
lhe indicaria…
Morrer como ele,
inteiramente ao mundo!
– Mas, por ter
perpetuado as minhas dores,
surgir na glória,
como um Sol fecundo!…
(Retrato anônimo,
embora possivelmente de
autoria de Pietro
Antonio Lorenzoni)
Referência:
ANDRADE, Mário de. Mozart. In:
__________. Poesias completas. v. 2.
Edição de texto apurado, anotada e acrescida de documentos por Tatiana Longo
Figueiredo e Telê Ancona Lopez. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2013. p. 134.
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