Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 27 de junho de 2020

Hilda Hilst - Presságio

Uma preguiça tomou conta da poetisa que a leva a deplorar o fato de se ter filhos, pelo trabalho que haverão de ocasionar aos pais, sempre à procura de alguma coisa, sempre a perguntar por questões que aos seus olhos pareçam não encerrar nenhum sentido, e sem que, ao fim, se lembrem daqueles por quem tanto buscaram e que já morreram, sem entender-lhes os motivos pelos quais, eventualmente, se mataram.

De qualquer modo, ficarão eles “insatisfeitos”, “incompreendidos”, porque imaginarão que são os “destinados”, a cogitar que estão passando por circunstâncias pelas quais os outros jamais passaram: de sua parte, sobrevirá o silêncio, pois logo haverá de perceber que são “inúteis” as palavras, esse percutir sonoro que, no mais das vezes, não encontra ressonância na mente dos rebentos.

J.A.R. – H.C.

Hilda Hilst
(1930-2004)

Presságio

Tenho preguiça
pelos filhos que vão nascer.

Teremos que explicar
tanta cousa a tantos deles.
Um dia hão de me perguntar
tudo o que perguntei:
Mãe, por que não posso
ver Augusto quando quero?
Mãe, andei lendo muito esses dias
e estou quase chegando
a encontrar o que eu queria.

Inutilidade das palavras.

Tenho preguiça.
Tanta preguiça
pelos filhos que vão nascer.
Dez, vinte, trinta anos
e estarão procurando alguma cousa.
Nunca se lembrarão
daqueles que já morreram
e procuraram tanto.
Vão custar (ó deuses)
a entender aqueles
que se mataram.
Os filhos que vão nascer,
coitados!
Hão de pensar que são eles
os destinados.
Hão de pensar que você
nunca passou o que eles estão passando.

Os filhos que vão nascer...

Insatisfeitos.
Incompreendidos.

Em: “Presságio” (1950)

Criança geopolítica: observando
o nascimento do homem novo
(Salvador Dalí: pintor espanhol)

Referência:

HILST, Hilda. Presságio. In: __________. Da poesia. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. p. 33-34. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário