Uma preguiça tomou conta da poetisa que a leva a deplorar o fato de se
ter filhos, pelo trabalho que haverão de ocasionar aos pais, sempre à procura
de alguma coisa, sempre a perguntar por questões que aos seus olhos pareçam não
encerrar nenhum sentido, e sem que, ao fim, se lembrem daqueles por quem tanto buscaram
e que já morreram, sem entender-lhes os motivos pelos quais, eventualmente, se
mataram.
De qualquer modo, ficarão eles “insatisfeitos”, “incompreendidos”,
porque imaginarão que são os “destinados”, a cogitar que estão passando por
circunstâncias pelas quais os outros jamais passaram: de sua parte, sobrevirá o
silêncio, pois logo haverá de perceber que são “inúteis” as palavras, esse
percutir sonoro que, no mais das vezes, não encontra ressonância na mente dos rebentos.
J.A.R. – H.C.
Hilda Hilst
(1930-2004)
Presságio
Tenho preguiça
pelos filhos que vão
nascer.
Teremos que explicar
tanta cousa a tantos
deles.
Um dia hão de me
perguntar
tudo o que perguntei:
Mãe, por que não
posso
ver Augusto quando
quero?
Mãe, andei lendo
muito esses dias
e estou quase
chegando
a encontrar o que eu
queria.
Inutilidade das
palavras.
Tenho preguiça.
Tanta preguiça
pelos filhos que vão
nascer.
Dez, vinte, trinta
anos
e estarão procurando
alguma cousa.
Nunca se lembrarão
daqueles que já
morreram
e procuraram tanto.
Vão custar (ó deuses)
a entender aqueles
que se mataram.
Os filhos que vão
nascer,
coitados!
Hão de pensar que são
eles
os destinados.
Hão de pensar que
você
nunca passou o que
eles estão passando.
Os filhos que vão
nascer...
Insatisfeitos.
Incompreendidos.
Em: “Presságio” (1950)
Criança geopolítica: observando
o nascimento do homem novo
(Salvador Dalí:
pintor espanhol)
Referência:
HILST, Hilda. Presságio. In:
__________. Da poesia. 1. ed. São
Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. p. 33-34.
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