Nota-se, na tradução do poema em epígrafe, elaborada pelo escritor,
poeta e jornalista Paulo Mendes Campos, a ausência de algumas de suas 10 (dez)
décimas, nomeadamente as de números I a II e VII a IX: não saberia informar se
ocorreu uma imperfeição na edição da coletânea de poemas próprios e traduzidos
do autor mineiro, que ensejou tal ausência, ou se, pelo contrário, houve por
parte deste apenas as versões das décimas mais abaixo transcritas. Seja como
for, em nota ao final da postagem, apresento uma versão literal das décimas
faltantes, para que o internauta possa apreciá-las em nosso idioma, caso não as
compreenda em espanhol.
O ente lírico dirige-se à morte, consciente de sua onisciente presença,
bem ao lado de sua coirmã, a vida, a qual, como numa ampulheta, esvai-se aos
poucos, de sorte que ao se preencher a base oposta dá-se termo a uma e
inicia-se a outra. Nesse momento, em que o movimento se converte em inércia, o
poeta vê alguma beleza, como se uma pedra preciosa, um diamante, fosse a sua
figura agora “opaca, febril e cambiante”.
J.A.R. – H.C.
Xavier Villaurrutia
(1903-1950)
Décima Muerte
A Ricardo de Alcázar
I
¡Qué prueba de la
existencia
habrá mayor que la
suerte
de estar viviendo sin
verte
y muriendo en tu
presencia!
Esta lúcida
conciencia
de amar a lo nunca
visto
y de esperar lo
imprevisto;
este caer sin llegar
es la angustia de
pensar
que puesto que muero
existo.
II
Si en todas partes
estás,
en el agua y en la
tierra,
en el aire que me
encierra
y en el incendio
voraz;
y si a todas partes
vas
conmigo en el
pensamiento,
en el soplo de mi
aliento
y en mi sangre
confundida,
¿no serás, Muerte, en
mi vida,
agua, fuego, polvo y
viento?
III
si tienes manos, que
sean
de un tacto sutil y
blando,
apenas sensible
cuando
anestesiado me crean;
y que tus ojos me
vean
sin mirarme, de tal
suerte
que nada me
desconcierte
ni tu vista ni tu
roce,
para no sentir un
goce
ni un dolor contigo,
Muerte.
IV
Por caminos
ignorados,
por hendiduras
secretas,
por las misteriosas
vetas
de troncos recién
cortados,
te ven mis ojos
cerrados
entrar en mi alcoba
oscura
a convertir mi
envoltura
opaca, febril,
cambiante,
en materia de
diamante
luminosa, eterna y
pura.
V
No duermo para que al
verte
llegar lenta y
apagada,
para que al oír
pausada
tu voz que silencios
vierte,
para que al tocar la
nada
que envuelve tu
cuerpo yerto,
para que a tu olor desierto
pueda, sin sombra de
sueño,
saber que de ti me
adueño,
sentir que muero
despierto.
VI
La aguja del
instantero
recorrerá su
cuadrante,
todo cabrá en un
instante
del espacio verdadero
que, ancho, profundo
y señero,
será elástico a tu
paso
de modo que el tiempo
cierto
prolongará nuestro
abrazo
y será posible,
acaso,
vivir después de
haber muerto.
VII
En el roce, en el
contacto,
en la inefable
delicia
de la suprema caricia
que desemboca en el
acto,
hay un misterioso
pacto
del espasmo delirante
en que un cielo
alucinante
y un infierno de
agonía
se funden cuando eres
mía
y soy tuyo en un
instante.
VIII
¡Hasta en la ausencia
estás viva!
Porque te encuentro
en el hueco
de una forma y en el
eco
de una nota fugitiva;
porque en mi propia
saliva
fundes tu sabor
sombrío,
y a cambio de lo que
es mío
me dejas sólo el
temor
de hallar hasta en el
sabor
la presencia del
vacío.
IX
Si te llevo en mí
prendida
y te acaricio y
escondo,
si te alimento en el
fondo
de mi más secreta
herida;
si mi muerte te da
vida
y goce mi frenesí,
¡qué será, Muerte, de
ti
cuando al salir yo
del mundo,
deshecho el nudo
profundo,
tengas que salir de
mí?
X
En vano amenazas,
Muerte,
cerrar la boca a mi
herida
y poner fin a mi vida
con una palabra
inerte.
¡Qué puedo pensar al
verte,
si en mi angustia
verdadera
tuve que violar la
espera;
si en vista de tu
tardanza
para llenar mi
esperanza
no hay hora en que yo
no muera!
Morte e Vida
(Gustav Klimt: pintor
austríaco)
A Décima Morte
Se tens mãos, elas me
sejam
de um tanto sutil e
brando,
apenas sensível
quando
anestesiado me
creiam;
e que teus olhos me
vejam
sem olhar-me, de tal
sorte
que nada me
desconforte
ao te roçar, ao te
ver,
para não sentir
prazer,
e nem dor, contigo,
Morte.
Por caminhos
ignorados,
por secretos
entremeios,
por misteriosos veios
de troncos
recém-cortados,
te veem meus olhos
fechados
penetrar-me a alcova
escura
e converter-me a
figura
opaca, febril,
cambiante,
em matéria de
diamante,
luminosa, eterna e
pura.
Não durmo, querendo
ver-te,
lenta, chegar,
apagada,
querendo ouvir-te,
pausada,
a voz que silêncios
verte;
para que, tocando o
nada,
que envolve teu corpo
incerto,
e ao teu aroma
deserto,
possa, sem sombra de
engano,
a ti saber que me
irmano,
sentir que morro
desperto.
O ponteiro dos
segundos
percorrerá seu quadrante;
será tudo em um
instante
desse espaço
moribundo
que, largo, só e
profundo,
será dócil ao teu
passo,
de modo que o tempo
forte
prolongará nosso
abraço
e assim será possível
viver mais depois da
morte.
Morte, em vão ameaças
fechar-me a boca à
ferida
e pôr fim à minha
vida
com uma palavra baça.
Que desejas mais que
faça,
se, na dor que me
devora,
violei tua demora;
se, por ver tua
tardança,
para encher-me a
esperança
que não morra não há
hora!
Nota:
Versões literais ao português das estrofes faltantes
são apresentadas a seguir:
(I) Que prova da existência / haverá
maior que a sorte / de viver sem ver-te / e morrer em tua presença! / Esta lúcida
consciência / de amar o nunca visto / e de esperar o imprevisto; / este cair sem
chegar / é a angústia de pensar / que uma vez que morro, existo.
(II) Se em todas as partes estás, / na
água e na terra, / no ar que me encerra / e no incêndio voraz; / e se a todas
as partes vais / comigo no pensamento, / no sopro de meu alento / e em meu
sangue confundida, / não serás, Morte, em minha vida, / água, fogo, poeira e
vento?
(VII) No toque, no contato, / na
inefável delícia / da suprema carícia / que desemboca no ato, / há um
misterioso pacto / de espasmo delirante / em que um céu alucinante / e um
inferno de agonia / se fundem quando és minha / e sou teu em um instante.
(VIII) Até na ausência estás viva! /
Porque te encontro no oco / de uma forma e no eco / de uma nota fugitiva; /
porque em minha própria saliva / fundes o teu sabor sombrio, / e em troca do
que é meu / me deixas só o temor / de sentir até no sabor / a presença do
vazio.
(IX) Se te levo em mim retida / e te acaricio
e escondo, / se te alimento no fundo / de minha mais secreta ferida; / se minha
morte te dá vida / e gozo meu frenesi, / o que será, Morte, de ti / quando eu
ao sair do mundo, / desfeito o elo profundo, / tenhas que sair de mim?
Referências:
Em Espanhol
VILLAURRUTIA, Xavier. Décima muerte. Disponível neste endereço. Acesso em: 28 abr. 2020.
Em Português
VILLAURRUTIA, Xavier. A décima morte.
Tradução de Paulo Mendes Campos. In: __________. Os melhores poemas de Paulo Mendes Campos. Poemas Traduzidos de
‘Diário da Tarde’ e ‘Trinca de Copas’. 1.e.d Seleção de Guilhermino Cesar. São
Paulo, SP: Global, 1990. p. 187-188. (‘Os Melhores Poemas’; v. 22)
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