Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Xavier Villaurrutia - A Décima Morte

Nota-se, na tradução do poema em epígrafe, elaborada pelo escritor, poeta e jornalista Paulo Mendes Campos, a ausência de algumas de suas 10 (dez) décimas, nomeadamente as de números I a II e VII a IX: não saberia informar se ocorreu uma imperfeição na edição da coletânea de poemas próprios e traduzidos do autor mineiro, que ensejou tal ausência, ou se, pelo contrário, houve por parte deste apenas as versões das décimas mais abaixo transcritas. Seja como for, em nota ao final da postagem, apresento uma versão literal das décimas faltantes, para que o internauta possa apreciá-las em nosso idioma, caso não as compreenda em espanhol.

O ente lírico dirige-se à morte, consciente de sua onisciente presença, bem ao lado de sua coirmã, a vida, a qual, como numa ampulheta, esvai-se aos poucos, de sorte que ao se preencher a base oposta dá-se termo a uma e inicia-se a outra. Nesse momento, em que o movimento se converte em inércia, o poeta vê alguma beleza, como se uma pedra preciosa, um diamante, fosse a sua figura agora “opaca, febril e cambiante”.

J.A.R. – H.C.

Xavier Villaurrutia
(1903-1950)

Décima Muerte

A Ricardo de Alcázar

I

¡Qué prueba de la existencia
habrá mayor que la suerte
de estar viviendo sin verte
y muriendo en tu presencia!
Esta lúcida conciencia
de amar a lo nunca visto
y de esperar lo imprevisto;
este caer sin llegar
es la angustia de pensar
que puesto que muero existo.

II

Si en todas partes estás,
en el agua y en la tierra,
en el aire que me encierra
y en el incendio voraz;
y si a todas partes vas
conmigo en el pensamiento,
en el soplo de mi aliento
y en mi sangre confundida,
¿no serás, Muerte, en mi vida,
agua, fuego, polvo y viento?

III

si tienes manos, que sean
de un tacto sutil y blando,
apenas sensible cuando
anestesiado me crean;
y que tus ojos me vean
sin mirarme, de tal suerte
que nada me desconcierte
ni tu vista ni tu roce,
para no sentir un goce
ni un dolor contigo, Muerte.

IV

Por caminos ignorados,
por hendiduras secretas,
por las misteriosas vetas
de troncos recién cortados,
te ven mis ojos cerrados
entrar en mi alcoba oscura
a convertir mi envoltura
opaca, febril, cambiante,
en materia de diamante
luminosa, eterna y pura.

V

No duermo para que al verte
llegar lenta y apagada,
para que al oír pausada
tu voz que silencios vierte,
para que al tocar la nada
que envuelve tu cuerpo yerto,
para que a tu olor desierto
pueda, sin sombra de sueño,
saber que de ti me adueño,
sentir que muero despierto.

VI

La aguja del instantero
recorrerá su cuadrante,
todo cabrá en un instante
del espacio verdadero
que, ancho, profundo y señero,
será elástico a tu paso
de modo que el tiempo cierto
prolongará nuestro abrazo
y será posible, acaso,
vivir después de haber muerto.

VII

En el roce, en el contacto,
en la inefable delicia
de la suprema caricia
que desemboca en el acto,
hay un misterioso pacto
del espasmo delirante
en que un cielo alucinante
y un infierno de agonía
se funden cuando eres mía
y soy tuyo en un instante.

VIII

¡Hasta en la ausencia estás viva!
Porque te encuentro en el hueco
de una forma y en el eco
de una nota fugitiva;
porque en mi propia saliva
fundes tu sabor sombrío,
y a cambio de lo que es mío
me dejas sólo el temor
de hallar hasta en el sabor
la presencia del vacío.

IX

Si te llevo en mí prendida
y te acaricio y escondo,
si te alimento en el fondo
de mi más secreta herida;
si mi muerte te da vida
y goce mi frenesí,
¡qué será, Muerte, de ti
cuando al salir yo del mundo,
deshecho el nudo profundo,
tengas que salir de mí?

X

En vano amenazas, Muerte,
cerrar la boca a mi herida
y poner fin a mi vida
con una palabra inerte.
¡Qué puedo pensar al verte,
si en mi angustia verdadera
tuve que violar la espera;
si en vista de tu tardanza
para llenar mi esperanza
no hay hora en que yo no muera!

Morte e Vida
(Gustav Klimt: pintor austríaco)

A Décima Morte

Se tens mãos, elas me sejam
de um tanto sutil e brando,
apenas sensível quando
anestesiado me creiam;
e que teus olhos me vejam
sem olhar-me, de tal sorte
que nada me desconforte
ao te roçar, ao te ver,
para não sentir prazer,
e nem dor, contigo, Morte.

Por caminhos ignorados,
por secretos entremeios,
por misteriosos veios
de troncos recém-cortados,
te veem meus olhos fechados
penetrar-me a alcova escura
e converter-me a figura
opaca, febril, cambiante,
em matéria de diamante,
luminosa, eterna e pura.

Não durmo, querendo ver-te,
lenta, chegar, apagada,
querendo ouvir-te, pausada,
a voz que silêncios verte;
para que, tocando o nada,
que envolve teu corpo incerto,
e ao teu aroma deserto,
possa, sem sombra de engano,
a ti saber que me irmano,
sentir que morro desperto.

O ponteiro dos segundos
percorrerá seu quadrante;
será tudo em um instante
desse espaço moribundo
que, largo, só e profundo,
será dócil ao teu passo,
de modo que o tempo forte
prolongará nosso abraço
e assim será possível
viver mais depois da morte.

Morte, em vão ameaças
fechar-me a boca à ferida
e pôr fim à minha vida
com uma palavra baça.
Que desejas mais que faça,
se, na dor que me devora,
violei tua demora;
se, por ver tua tardança,
para encher-me a esperança
que não morra não há hora!

Nota:

Versões literais ao português das estrofes faltantes são apresentadas a seguir:

(I) Que prova da existência / haverá maior que a sorte / de viver sem ver-te / e morrer em tua presença! / Esta lúcida consciência / de amar o nunca visto / e de esperar o imprevisto; / este cair sem chegar / é a angústia de pensar / que uma vez que morro, existo.

(II) Se em todas as partes estás, / na água e na terra, / no ar que me encerra / e no incêndio voraz; / e se a todas as partes vais / comigo no pensamento, / no sopro de meu alento / e em meu sangue confundida, / não serás, Morte, em minha vida, / água, fogo, poeira e vento?

(VII) No toque, no contato, / na inefável delícia / da suprema carícia / que desemboca no ato, / há um misterioso pacto / de espasmo delirante / em que um céu alucinante / e um inferno de agonia / se fundem quando és minha / e sou teu em um instante.

(VIII) Até na ausência estás viva! / Porque te encontro no oco / de uma forma e no eco / de uma nota fugitiva; / porque em minha própria saliva / fundes o teu sabor sombrio, / e em troca do que é meu / me deixas só o temor / de sentir até no sabor / a presença do vazio.

(IX) Se te levo em mim retida / e te acaricio e escondo, / se te alimento no fundo / de minha mais secreta ferida; / se minha morte te dá vida / e gozo meu frenesi, / o que será, Morte, de ti / quando eu ao sair do mundo, / desfeito o elo profundo, / tenhas que sair de mim?

Referências:

Em Espanhol

VILLAURRUTIA, Xavier. Décima muerte. Disponível neste endereço. Acesso em: 28 abr. 2020.

Em Português

VILLAURRUTIA, Xavier. A décima morte. Tradução de Paulo Mendes Campos. In: __________. Os melhores poemas de Paulo Mendes Campos. Poemas Traduzidos de ‘Diário da Tarde’ e ‘Trinca de Copas’. 1.e.d Seleção de Guilhermino Cesar. São Paulo, SP: Global, 1990. p. 187-188. (‘Os Melhores Poemas’; v. 22)

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