Quase que por um discurso próximo ao do Gênesis, a poetisa tunisiana cinge
em dois o trânsito da Terra no tempo: aquele anterior ao surgimento do homem,
quando todas as formas de vida, bem assim as inanimadas, eram plenas de luz e
de beleza; e a posterior ao seu advento, quando sobreveio a angústia e a morte –
essa onipresente experiência que irrompe inopinadamente à sua volta.
Uma observação: Saïd emprega, em determinado verso, a palavra “gangue”,
cuja tradução sugerida pelo Larousse é “ganga”, como abaixo evidencio. E dado o
sentido que, em nosso idioma, se atribui a tal verbete, presumo que, entre o aventado
“clamor” ou “grito” do homem e a substantiva e profunda realidade a que este se
dirige, medeia um substrato – conotado como “ganga” – onde se interpõe o “silêncio”,
elemento a dificultar a plena interlocução entre os humanos e destes com o
universo.
J.A.R. – H.C.
Amina Saïd
(n. 1953)
La Terre
portait le ciel en
tête
né d’un désir de
lumière
l’oiseau portait son
chant
les pierres sacrées
empruntaient leur
forme
au soleil à la lune
et toujours la terre
portait le ciel en
tête
puis vint l’homme
sa détresse extrême
autour de son cri
la gangue du silence
dans son regard plus
qu’ailleurs
la mort
car tout finit
par être ce qu’il
contemple
Estudo do céu com pássaros
(Jean-Michel Cels:
pintor belga)
A Terra
no princípio
carregava o céu
nascido de um desejo
de luz
o pássaro carregava o seu
canto
as pedras sagradas
modelaram sua forma
ao sol e à lua
e no princípio sempre
a Terra a carregar o céu
logo veio o homem
e sua extrema
angústia
ao redor de seu
clamor
a ganga do silêncio
em seus olhos mais do
que em
quaisquer outros lugares
quaisquer outros lugares
a morte
porque tudo finda
por ser isto o que ele contempla
Referência:
SAÏD, Amina. La terre. In: CAWS, Mary
Ann (Ed.). The Yale anthology of
twentieth-century french poetry. Part 6: 1981–2002 – young poetry at the end
of the millennium. Bilingual edition: French – English. New Haven, CT: Yale
University Press, 2004. p. 602 and 604.
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