Mais um poema tendo por tema o medo de morrer e o desespero que o fato
desperta naqueles que já beiram os umbrais do traspasse. E o relato nos conta
de um inditoso paciente, amigo do ente lírico, que foge do hospital para
deixar-se estar em casa de amigas, que, infelizmente, não lhe devotavam o mesmo
amor que ele experimentava por elas.
O resto são fantasias criativas do poeta, dando asas à imaginação ao
descrever um hipotético retorno forçado do paciente à sua própria casa ou,
ainda, ao aeródromo dos hospitais, para que não venha a perder o seu voo. Mas
qual voo? – perguntará o leitor. Sabe-se lá, digo eu: pode ser uma visita sem
volta ao Hades!
J.A.R. – H.C.
Enrique Lihn
(1929-1988)
De todas las desesperaciones
De todas las
desesperaciones, la de la muerte tiene que ser la peor
ella y el miedo a
morir, cruz y raya
cuando ya se puede
pronosticar el día y la hora
Hay una fea
probabilidad de que el miedo a morir y la desesperación
de la muerte sean
normalmente
inseparables como la uña y la carne
Recuerdo a un amigo de
otros años él huía de noche de su casa
y del hospital
sin más salvoconducto
que el que se daría a un condenado en el infierno
se dejaba caer en
casa de amigas que no compartían su amor por ellas,
condenadamente bellas
exigía con argumentos
propios de la ciencia de la locura
que lo recibieran en
esas casas como huésped estable
me parece ver cómo al
final de esas conversaciones imposibles
era reconducido a su
madriguera por las señoras y los esposos
en medio del gran
silencio, él, el gnomo de la selva negra del amanecer
de vuelta a su
anticasa
o al aeródromo de los
hospitales para que no perdiera su vuelo.
Dois idosos comendo
(Francisco de Goya:
pintor espanhol)
De todos os desesperos
De todos os
desesperos, o da morte deve ser o pior
ela e o medo de
morrer, e ponto final
quando já não se pode
prognosticar o dia e a hora
Há uma aterradora
chance de que o medo ao morrer e o desespero
da morte sejam
normalmente
inseparáveis como a unha e a carne
Lembro-me de um amigo
de outros anos que fugia de noite de sua casa
e do hospital
sem mais
salvo-conduto que o que se daria a um condenado no inferno
deixava-se ficar em
casa de amigas que não compartilhavam o seu amor
por elas,
condenadamente belas
exigia com argumentos
próprios da ciência da loucura
que o recebessem
nessas casas como hóspede estável
Pareço ver como ao
final dessas conversas impossíveis
era reconduzido ao
seu refúgio pelas senhoras e os esposos
em meio a um grande
silêncio, ele, gnomo da selva negra do amanhecer
de volta à sua
anticasa
ou ao aeródromo dos
hospitais para que não perdesse o seu voo.
Referência:
LIHN, Enrique. De todas las
desesperaciones. In: __________. Diario
de muerte. Santiago, CL: Editorial Universitaria, 1989. p. 17.
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