Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Enrique Lihn - De todos os desesperos

Mais um poema tendo por tema o medo de morrer e o desespero que o fato desperta naqueles que já beiram os umbrais do traspasse. E o relato nos conta de um inditoso paciente, amigo do ente lírico, que foge do hospital para deixar-se estar em casa de amigas, que, infelizmente, não lhe devotavam o mesmo amor que ele experimentava por elas.

O resto são fantasias criativas do poeta, dando asas à imaginação ao descrever um hipotético retorno forçado do paciente à sua própria casa ou, ainda, ao aeródromo dos hospitais, para que não venha a perder o seu voo. Mas qual voo? – perguntará o leitor. Sabe-se lá, digo eu: pode ser uma visita sem volta ao Hades!

J.A.R. – H.C.

Enrique Lihn
(1929-1988)

De todas las desesperaciones

De todas las desesperaciones, la de la muerte tiene que ser la peor
ella y el miedo a morir, cruz y raya
cuando ya se puede pronosticar el día y la hora
Hay una fea probabilidad de que el miedo a morir y la desesperación
de la muerte sean
normalmente inseparables como la uña y la carne
Recuerdo a un amigo de otros años él huía de noche de su casa
y del hospital
sin más salvoconducto que el que se daría a un condenado en el infierno
se dejaba caer en casa de amigas que no compartían su amor por ellas,
condenadamente bellas
exigía con argumentos propios de la ciencia de la locura
que lo recibieran en esas casas como huésped estable
me parece ver cómo al final de esas conversaciones imposibles
era reconducido a su madriguera por las señoras y los esposos
en medio del gran silencio, él, el gnomo de la selva negra del amanecer
de vuelta a su anticasa
o al aeródromo de los hospitales para que no perdiera su vuelo.

Dois idosos comendo
(Francisco de Goya: pintor espanhol)

De todos os desesperos

De todos os desesperos, o da morte deve ser o pior
ela e o medo de morrer, e ponto final
quando já não se pode prognosticar o dia e a hora
Há uma aterradora chance de que o medo ao morrer e o desespero
da morte sejam
normalmente inseparáveis como a unha e a carne
Lembro-me de um amigo de outros anos que fugia de noite de sua casa
e do hospital
sem mais salvo-conduto que o que se daria a um condenado no inferno
deixava-se ficar em casa de amigas que não compartilhavam o seu amor
por elas, condenadamente belas
exigia com argumentos próprios da ciência da loucura
que o recebessem nessas casas como hóspede estável
Pareço ver como ao final dessas conversas impossíveis
era reconduzido ao seu refúgio pelas senhoras e os esposos
em meio a um grande silêncio, ele, gnomo da selva negra do amanhecer
de volta à sua anticasa
ou ao aeródromo dos hospitais para que não perdesse o seu voo.

Referência:

LIHN, Enrique. De todas las desesperaciones. In: __________. Diario de muerte. Santiago, CL: Editorial Universitaria, 1989. p. 17.

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