Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 23 de junho de 2020

Henri de Régnier - Pequena Ode IV

Há uma contrapartida entre ostentar riqueza e ser amado nos argumentos deste poema, mas tão apenas como simulação, pois quem é amado finge ser indigente para melhor ocultar tal condição. Mas para quem, de fato, é pobre, ser amado seria uma condição impossível? Penso que não, pois há exemplos – e não são poucos – que apontam para uma plausível inversão no fluxo causal entre tais estados.

Veja-se que o amor, quando está em jogo uma relação entre pessoas que detêm muitas posses, quase sempre desnatura-se em falsidades que acabam por levar a termo a relação, quando não em cizânias veementes que vão desaguar nos Tribunais, pois nem sempre as pessoas são autênticas quando manifestam amor. Imagino que tal contingência se mostra mais tênue quando os consortes são mais humildes em suas posses. Eis aí uma tese, para ser ratificada ou refutada pelos sociólogos de plantão!

J.A.R. – H.C.

Henri de Régnier
(1864-1936)

Pequena Ode IV

J’aurais pu dire mon Amour
Tout haut
Dans le grand jour
Ardent et chaud
Du bel été roux qui l’exalte et l’enivre
Et le dresse debout avec un rire
À tout écho!

J’aurais pu dire:
Mon Amour est heureux, voyez
Son manteau de pourpre qui traîne
Jusqu’à ses pieds!
Ses mains sont pleines
De roses qu’il effeuille et qui parfume l’air;
Le ciel est clair
Sur sa maison de marbre tiède
Et blanc et veiné comme une chair
Douce aux lèvres...

Mais non,
Je l’ai vêtu de bure et de laine;
Son manteau traîne
Sur ses talons;
Il passe en souriant à peine
Et quand il chante c’est si bas
Que l’on ne se retourne pas
Pour cueillir sa chanson éclose
Dans le soir qu’elle a parfumé;
Il n’a ni jardin ni maison,
Et il fait semblant d’être pauvre
Pour mieux cacher qu’il est aimé.

O solfejo do amor
(Jean-Antoine Watteau: pinto francês)

Odelette IV

Eu poderia ter dito meu Amor
Em voz alta
No grande dia
Ardente e cálido
Do verão belo e cetrino que o excita e embriaga
E o faz ficar de pé com uma risada
Às escâncaras!

Eu poderia ter dito:
Meu Amor está radiante, veja
O manto púrpura que se arrasta
Até os seus pés!
Tem as mãos repletas
De rosas que as despetala para perfumar o ar;
O céu está límpido
Sobre sua casa de mármore branco
E tépido, com veios qual carne
Macia para os lábios...

Mas não,
Cobri-o com burel e lã;
Seu manto se arrasta
Até os calcanhares;
Apenas sorri quando passa
E quando canta é tão baixo
Que ninguém se vira
Para colher sua música desabrochada
Na noite por ela perfumada;
Ele não tem jardim nem casa,
E finge ser pobre
Para melhor ocultar que é amado.

Referência:

RÈGNIER, Henri de. Odelette IV. In: __________. Les médailles d’argile: poèmes. 4e. éd. Paris, FR: Société du Mercure de France, 1903. p. 186-187.

Nenhum comentário:

Postar um comentário