Há uma contrapartida entre ostentar riqueza e ser amado nos argumentos
deste poema, mas tão apenas como simulação, pois quem é amado finge ser indigente
para melhor ocultar tal condição. Mas para quem, de fato, é pobre, ser amado
seria uma condição impossível? Penso que não, pois há exemplos – e não são
poucos – que apontam para uma plausível inversão no fluxo causal entre tais estados.
Veja-se que o amor, quando está em jogo uma relação entre pessoas que
detêm muitas posses, quase sempre desnatura-se em falsidades que acabam por
levar a termo a relação, quando não em cizânias veementes que vão desaguar nos
Tribunais, pois nem sempre as pessoas são autênticas quando manifestam amor.
Imagino que tal contingência se mostra mais tênue quando os consortes são mais
humildes em suas posses. Eis aí uma tese, para ser ratificada ou refutada pelos
sociólogos de plantão!
J.A.R. – H.C.
Henri de Régnier
(1864-1936)
Pequena Ode IV
J’aurais pu dire mon
Amour
Tout haut
Dans le grand jour
Ardent et chaud
Du bel été roux qui l’exalte
et l’enivre
Et le dresse debout
avec un rire
À tout écho!
J’aurais pu dire:
Mon Amour est
heureux, voyez
Son manteau de
pourpre qui traîne
Jusqu’à ses pieds!
Ses mains sont
pleines
De roses qu’il
effeuille et qui parfume l’air;
Le ciel est clair
Sur sa maison de
marbre tiède
Et blanc et veiné
comme une chair
Douce aux lèvres...
Mais non,
Je l’ai vêtu de bure
et de laine;
Son manteau traîne
Sur ses talons;
Il passe en souriant
à peine
Et quand il chante c’est
si bas
Que l’on ne se
retourne pas
Pour cueillir sa
chanson éclose
Dans le soir qu’elle
a parfumé;
Il n’a ni jardin ni
maison,
Et il fait semblant d’être
pauvre
Pour mieux cacher qu’il
est aimé.
O solfejo do amor
(Jean-Antoine
Watteau: pinto francês)
Odelette IV
Eu poderia ter dito
meu Amor
Em voz alta
No grande dia
Ardente e cálido
Do verão belo e cetrino
que o excita e embriaga
E o faz ficar de pé
com uma risada
Às escâncaras!
Eu poderia ter dito:
Meu Amor está radiante,
veja
O manto púrpura que
se arrasta
Até os seus pés!
Tem as mãos repletas
De rosas que as
despetala para perfumar o ar;
O céu está límpido
Sobre sua casa de
mármore branco
E tépido, com veios
qual carne
Macia para os
lábios...
Mas não,
Cobri-o com burel e lã;
Seu manto se arrasta
Até os calcanhares;
Apenas sorri quando
passa
E quando canta é tão
baixo
Que ninguém se vira
Para colher sua
música desabrochada
Na noite por ela
perfumada;
Ele não tem jardim
nem casa,
E finge ser pobre
Para melhor ocultar
que é amado.
Referência:
RÈGNIER, Henri de. Odelette IV. In:
__________. Les médailles d’argile:
poèmes. 4e. éd. Paris, FR: Société du Mercure de France, 1903. p. 186-187.
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