Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Alfonsina Storni - Tu que me queres casta

Este é um exemplo bastante eloquente do feminismo à frente do seu tempo de Storni, a rejeitar quaisquer pretensões de “castidade” da mulher, sem correlato no comportamento dos homens – como se diria, libidinoso ou dissoluto por “natureza” –, sem falar de maus-tratos a que, ainda nos dias que correm, estão expostas, quando não, em pleno curso de um relacionamento conjugal.

Esse padrão de expectativa irrealista em relação à mulher – de “perfume suave” e “corola fechada” – não tem paralelo nas maneiras masculinas, metaforizadas no saboreio lascivo de “frutos vermelhos” e “mel”, à mesa em companhia de Baco, o deus do vinho, motivo pelo qual a autora recomenda aos homens que fujam para os bosques, para as montanhas, para, ali, despoluírem os lábios de palavras que representem imperativos à submissão feminina.

J.A.R. – H.C.

Alfonsina Storni
(1892-1938)

Tú me quieres blanca

Tú me quieres alba,
me quieres de espumas,
me quieres de nácar. (1)
Que sea azucena
Sobre todas, casta.
De perfume tenue.
Corola cerrada.

Ni un rayo de luna
filtrado me haya.
Ni una margarita
se diga mi hermana.
Tú me quieres nívea,
tú me quieres blanca,
tú me quieres alba.

Tú que hubiste todas
las copas a mano,
de frutos y mieles
los labios morados.
Tú que en el banquete
cubierto de pâmpanos (2)
dejaste las carnes
festejando a Baco. (3)
Tú que en los jardines
negros del Engaño
vestido de rojo
corriste al Estrago. (4)

Tú que el esqueleto
conservas intacto
no sé todavía
por cuáles milagros,
me pretendes blanca
(Dios te lo perdone),
me pretendes casta
(Dios te lo perdone),
¡me pretendes alba!

Huye hacia los bosques,
vete a la montaña;
límpiate la boca;
vive en las cabañas;
toca con las manos
la tierra mojada;
alimenta el cuerpo
con raíz amarga;
bebe de las rocas;
duerme sobre escarcha;
renueva tejidos
con salitre y agua:
habla con los pájaros
y lévate al alba.
Y cuando las carnes
te sean tornadas,
y cuando hayas puesto
en ellas el alma
que por las alcobas
se quedó enredada,
entonces, buen hombre,
preténdeme blanca,
preténdeme nívea,
preténdeme casta.

Autorretrato
(Artemisia Gentileschi: pintora italiana)

Tu que me queres casta

Tu me queres alva,
me queres de espuma,
me queres de nácar,
que seja açucena
mais casta que todas.
De perfume suave;
corola fechada.

Nem raio de lua
filtrado me toque.
Nem a margarida
seja minha irmã.
Tu me queres nívea,
tu me queres branca,
tu me queres casta.

Tu, que as taças todas
já tiveste à mão.
Os lábios corados
de frutos e mel.
Tu, que no banquete
coberto de pâmpanos,
as carnes gastaste
festejando a Baco.
Tu, que nos jardins
escuros do engano,
lascivo e vermelho
correste no abismo.

Ó tu, que o esqueleto
não sei por que graça
ou por que milagre
conservas intacto,
só me queres branca,
(que Deus te perdoe!)
só me queres casta,
(que Deus te perdoe!)
só me queres alva.

Foge para o bosque,
vai para a montanha,
purifica a boca,
vive na humildade.
Segura com as mãos
terra orvalhada.
Alimenta o corpo
de raiz amarga,
bebe a água das rochas,
dorme sobre a geada,
renova os tecidos,
com salitre e água.
Conversa com os pássaros,
lava-te na aurora.
E já quando as carnes
ao corpo te voltem,
e quando hajas posto
nas carnes a alma
que, pelas alcovas
ficou enredada.
Então, – homem puro, –
pretende-me nívea,
pretende-me branca,
pretende-me casta.

Elucidário:

(1) nácar – substância dura e irisada dentro de algumas conchas, vale dizer, a substância que cria as pérolas nas conchas.

(2) pâmpanos – ramos e folhas da videira, símbolo de Baco.

(3) Baco – nome romano de Dionísio, o deus do vinho na mitologia grega.

(4) Estrago – destruição, dano.

Referências:

Em Espanhol

STORNI, Alfonsina. Tu me quieres blanca. In: FLORES, Angel; FLORES, Kate (Editing and Introduction). The defiant muse: hispanic feminist poems from the middle ages to the present. Bilingual edition: Spanish x English. New York, NY: The Feminist Press at the City University of New York, 1986. p. 56 and 58.

Em Português

STORNI, Alfonsina. Tu que me queres casta. Tradução de Oswaldo Orico. In: MILLIET, Sérgio (Seleção e Notas). Obras-primas da poesia universal. 3. ed. São Paulo, SP: Livraria Martins Editora, 1957. p. 359-360.

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