Eis outro poema sob a forma de prosa, a retratar o ente lírico postado
num cais de porto imaginário, a “prantear” um “rio prateado”, prospectando suas
águas com lunetas de efeito inglório, lançando barcos de resgate a alguém que
somente lhe envia, pelo mar, garrafas com algumas mensagens, de todo modo tão reclamadas,
precisas ao expectante.
O arranjo das palavras de Duarte resulta bastante feliz, pois, a par de
evidenciarem o sentido último de sua mensagem – um sonho de que alguém distante
regresse à sua presença para aplacar-lhe a solidão, em vez de apenas lhe enviar
simples mensagens –, submete toda a visão a um tema, digamos assim, náutico ou
marinho: barcos, afogamentos, lunetas, constelações como bússolas, margens de
rio, navegação, inundações e, claro, o porto que dá título ao poema.
J.A.R. – H.C.
João-Francisco Duarte Jr.
(n. 1953)
Porto
Me posto no porto que
na cidade não há, para dali lançar meus inúteis barcos de resgate. Onde te
levaram as águas de mim desatadas? Sangria tinta em desespero que afoga a minha
espera.
Ilhas naufragadas ou
rotas criadas ao mar. Que lunetas te alcançam, sob estrelas consteladas?
Às margens de meu
sonho continuam chegando tuas garrafas, com as mensagens de que preciso.
Contudo, não saberia lançar-me em errante navegação. Apenas sei correr este rio
pra(n)teado. No leito da poesia, inundando a solidão.
(1981)
Um dia de verão em Giudecca
(John Singer Sargent:
pintor ítalo-americano)
Referência:
DUARTE JR., João-Francisco. Porto. In:
BRITO, Heládio; MORAIS, Regis de et al. Oficina:
exercícios do ofício da poesia. 2. ed. Campinas, SP: Papirus, 2001. p. 89.
(Edição Comemorativa Limitada)
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