Daruwalla, poeta indiano, acha-se em conexão com a obra de Jorge Luis
Borges (1899-1986) por meio deste poema: quem desconhece que os escritos do
argentino são pejados de simbologias, alegorias, analogias, metáforas sobre a
multiplicação das coisas no universo, particularmente sob a conjunção de
espelhos refletores, capazes de levar uma imagem qualquer a um remoto ponto de
fuga, multiplicando-a ao infinito?!
Como se um astrônomo fosse Borges, a vasculhar em sua objetiva os
mistérios do universo, miríades de estrelas e vastidões desguarnecidas entre
elas: afirma Daruwalla que a mente do autor portenho é tão ampla, tão saturada
de vastidões quanto o universo que, enquanto vivo, esteve ele a confrontar,
querendo com isso certamente reafirmar a enorme erudição de Borges, em grande
parte fruto de sua paciência de leitor voraz, a multiplicar os enredos das
histórias lidas em outras tantas histórias – “dando novos mundos ao mundo”,
como diria Camões.
J.A.R. – H.C.
Keki Daruwalla
(n. 1937)
Roof Observatory
He moved past the slab
of damp air over damp ground,
past the two whining
hinges of the rusted gate,
past rows of
eucalypti with black leaves
and white leaves –
moon on one, moon-shadow on the other;
past the duplicate
patios, on to the double stairs
and into the hall of
mirrors where he found himself
infinitely mirrored
in a still moment of receding reflections.
Then on to the
circular antechamber
with only himself and
his shadow in attendance
to the roof where the
double desolation of the garden
and the circular
silence of the villa interior
sank into him like nightwaters
filling up a forgotten tank;
till stepping on to a
ladder, bone and ladder creaking,
he climbed into the
quiet of his observatory;
where the solitudes
were so large
that all else
diminished in scale,
where the telescope
hummed with planets
and the firmament
fermented with astral fires,
and the glass lid on
the barrel
multiplied the black
spaces between the stars;
where at last, he
thought, he was at one with,
and yet confronting,
the universe.
But even there,
Borges, the universe of your mind
was as large as the
universe you were looking into.
Paisagem de Greenwich a partir
da Cobertura do Observatório
(Dennis Creffield:
pintor inglês)
Observatório da Cobertura
Ele passou pelos
bloquetes de aspecto úmido sobre o úmido solo,
passou pelas duas dobradiças
do portão enferrujado,
passou pelas fileiras
de eucaliptos com folhas brancas e negras –
o brilho da lua sobre
aquelas, a sombra da lua sobre estas;
passou pelos pátios
duplicados, subiu pelas escadas duplas
e entrou no átrio dos
espelhos, onde se viu multiplicado
ao infinito num quieto
momento de reflexões em fuga.
Em seguida, adentrou
a antecâmara circular,
apenas com ele e a
sua sombra a fazerem companhia
ao teto, onde a dupla
desolação do jardim
e o silêncio circular
do interior da herdade nele se fundiram,
como águas noturnas a
transbordar num tanque esquecido;
por fim, dirigiu-se a
uma escada, seus ossos e a escada aos estalidos,
subindo assim até a
quietude de seu observatório;
onde as solidões eram
tão vastas
que tudo mais
diminuía em escala,
onde o telescópio zunia
com os planetas
e o firmamento
fermentava com os fogos astrais,
e o tampo da lente no
cilindro
multiplicava os espaços
negros entre as estrelas;
onde, afinal, ele pensava
estar em harmonia como universo,
ainda que o
confrontando.
Mas mesmo ali,
Borges, o universo de tua mente
era tão amplo quanto
o universo que estavas buscando.
Referência:
DARUWALLA, Keki. Roof observatory. In:
THAYIL, Jeet (Ed.). 60 indian poets.
New Delhi, IN: Penguin Books India, 2008. p. 152.
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