De todas as linhas que compõe este aforismo do Tao-Te King, certamente a
mais desconcertante é a derradeira, pois poderia levar a supor que, para alguém
se livrar de críticas, bastaria a inação – o que, de todo modo, poderia ensejar
duras críticas das “formiguinhas” às “cigarras” que assim viessem a proceder.
Afinal, o penúltimo verso nos fala na “oportunidade de ação”, quando se
manifesta o movimento que a tudo preside na natureza e no Tao!
Nesse contexto, prefiro interpretá-lo de outro modo: é a busca de viver
sem conflitos, deixando a vida fluir como a água, que leva a um estado de
distanciamento das situações extremas de erro e, por conseguinte, de crítica pelos
pares. Tal perspectiva se coaduna melhor com os outros versos do aforismo, como
o segundo, por exemplo, ou até mesmo com o oitavo: “O bem da palavra se
manifesta na verdade”. A propósito, quão relevante é a assertiva no presente
momento, pois a palavra se tornou o meio preferencial para se transmitir inverdades,
mentiras (“fake news”), com o fito de manipular a opinião pública rumo a
interesses escusos – jamais pelo bem comum.
J.A.R. – H.C.
Lao-Tzu
(~601 a.C. – 531
a.C.)
VIII
O maior bem é como a
água.
A virtude da água
está em beneficiar todos os seres sem conflito.
Ela ocupa os lugares
que o homem despreza.
Portanto, é quase
como o Tao.
Para a moradia, o bem
se manifesta no lugar.
Para o pensamento, o
bem se manifesta na profundidade.
O bem da dádiva se
manifesta no amor.
O bem da palavra se
manifesta na verdade.
No governo, o bem se
manifesta na ordem.
No trabalho, o bem se
manifesta na competência.
No movimento, o bem
se manifesta na oportunidade de ação.
Quem não se destacar
ficará por isso livre de críticas.
A Fonte d’Água
(Pol Ledent: artista belga)
Referência:
LAO-TZU. VIII. Tradução de Margit
Martincic. In: __________. Tao-Te King:
texto e comentário de Richard Wilhelm. Tradução de Margit Martincic. São Paulo,
SP: Pensamento, 2006. p. 44.
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