Muito distintamente do que ocorre em outros versos, pejados de uma
dicção mais enredada e labiríntica – visto que capturados pela força dos silogismos
neles declinados –, afirma-nos Carvalho haver certa fluência em outros tantos
versos, que muito se parece ao caráter ingênito de fatos que concernem à
natureza, como pingos d’água caindo das folhas e pétalas de flores, depois da
chuva, deixando o solo com cheiro de “telha molhada”.
Tal naturalidade confronta, ainda, com outros matizes artificiais que
costumamos observar em poemas de escolas literárias transatas: premidos pelas
exigências de métrica, rima e sonoridade, o poeta de tal forma confrange o
poema numa fôrma que o resultado resulta algo postiço. Se consegue, a despeito
disso, um efeito límpido sobre os versos, aí então podemos dizer que a poética ascendeu
aos páramos.
J.A.R. – H.C.
Ronald de Carvalho
(1893-1935)
Cheiro de Terra
Há versos que são
como um jardim depois da chuva:
deixam em nós a
sensação de água caindo,
caindo em bolhas
trêmulas da ponta das folhas,
escorrendo da pele
macia das pétalas,
pingando nos galhos
lavados, gota a gota,
pingando no ar...
Versos que cheiram a
terra molhada,
versos que são como
um jardim depois da chuva...
Dia da Terra 2020
(Tatiana Iliina:
pintora russa)
Referência:
CARVALHO, Ronald de. Cheiro de terra.
In: TORRES, Alexandre Pinheiro (Seleção, Introdução e Notas). Antologia da poesia brasileira: os
modernistas. v. III. Porto, PT: Livraria Chardron de Lello & Irmão
Editores, 1984. p. 21.
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