Ginsberg, como poucos, vivenciou o período da guerra imperialista dos
EUA contra o Vietnã – um país que poucas décadas antes havia se libertado do
jugo francês –, sempre se opondo às incursões de um conflito bélico insano que
levou à morte quase sessenta mil norte-americanos, muitos deles jovens ainda,
como o rapaz com quem manteve contato e de cujo conhecimento dos fatos que o
envolveu, assim como ao irmão, deu ensejo ao infratranscrito poema.
Mesmo os “universos imaginários” que dão forma ao título não são nada
amistosos – afinal, a coisa mais imediata que se poderia conjecturar para tais
universos, dada a conjuntura da época, é que fossem o resultado do consumo de
drogas alucinógenas –, porque replicam um mundo de violência que paira de modo
latente no subconsciente de cada um de nós.
J.A.R. – H.C.
Allen Ginsberg
(1926-1997)
Imaginary Universes
Under order to shoot
the spy, I discharged
my pistol into his mouth.
He fell face down
from the position life
left his body
kneeling blindfold.
No, I never did that.
Imagined in airport snow,
Albany plane discharging passengers.
Yes, the
Mexican-faced boy, 19
in Marine cloth, seat
next me
Descending Salt Lake,
accompanied his
brother’s body from
Vietnam.
“The Gook was
kneeling in front of me,
crying &
pleading. There were two;
he had a card we
dropped on them.”
The card granted
immunity to those
V.C. surrendering.
“On account of my
best friend &
my brother I killed
both Gooks.”
That was true, yes.
(February 1969)
Reflexos na parede do Memorial do Vietnã
(Lee Teter: artista
norte-americano)
Universos Imaginários
Com ordens de matar o
espião, disparei
minha pistola em sua
boca.
Ele caiu de cara ali
mesmo e a vida
abandonou seu corpo
ajoelhado venda nos olhos.
Não, nunca fiz isso
não. Imaginei na neve do aeroporto
avião de Albany
passageiros saltando.
Verdade, o garoto de
cara mexicana, 19 anos
uniforme de
fuzileiro, a meu lado
Pousando Lake City, acompanhando
o corpo
do irmão desde o
Vietnã.
“O China tava
ajoelhado na minha frente,
chorando &
implorando. Eram dois;
Tinha o cartão que a
gente tinha dado a ele.”
O cartão conferia
imunidade aos
vietcongues que se
rendiam.
“Por causa do meu
melhor amigo &
do meu irmão matei os
dois.”
Isso aconteceu, sim.
(Fevereiro de 1969)
Referências:
Em Inglês
GINSBERG, Allen. Imaginary universes.
In: __________. The fall of America:
poems of these states (1965-1971). San Francisco, CA: City Lights Books, 1972.
p. 109. (The Pocket Poets Series n. 30)
Em Português
GINSBERG, Allen. Universos imaginários.
Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. A queda da América: poemas destes estados (1965-1971). Tradução de
Paulo Henriques Britto. Porto Alegre, RS: L&PM, 2014. p. 133. (L&PM
Pocket; v. 1150).
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