Um sabor de choro ou de morte é o que se segue da leitura deste “desencanto”
do poeta pernambucano, sempre muito próximo da experiência de expiração, pois
que longamente doente por haver contraído tuberculose ainda nos primeiros anos
do século passado, muito embora, paradoxalmente – afinal, a vida tem os seus
mistérios – tenha passado dos 80 (oitenta) anos, o que não deixa de ser uma substancial
bateria de dias.
Não havemos de nos esquecer que a penicilina – o primeiro antibiótico –
muito contribuiu para que os casos fatais da doença fossem em grande medida
abreviados. Afinal, foi ela descoberta em 1928 pelo médico e professor escocês
Alexander Fleming, dando ensejo a inúmeros outros estudos científicos dos quais
resultaram antibióticos diversos, chegando aos mais recentes, como a amoxicilina
e a azitromicina.
Amargura, tristeza, remorso, volúpia, angústia são vocábulos que muito
lembram os poetas da geração do “Mal do Século”, com os seus versos em rígida
métrica e belas rimas – aliás, como os do poema em comento –, “desencantados”
com a vida e mortos em plena juventude, a maior parte deles ainda nos desvãos
do século XIX, século, consigne-se, em que nasceu o próprio Bandeira, mais
tarde um filiado às tendências mais desamarradas do Modernismo.
J.A.R. – H.C.
Manuel Bandeira
(1886-1968)
Desencanto
Eu faço versos como
quem chora
De desalento... de
desencanto...
Fecha o meu livro, se
por agora
Não tens motivo
nenhum de pranto.
Meu verso é sangue.
Volúpia ardente...
Tristeza esparsa...
remorso vão...
Dói-me nas veias.
Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do
coração.
E nestes versos de
angústia rouca
Assim dos lábios a
vida corre,
Deixando um acre
sabor na boca.
– Eu faço versos como
quem morre.
(Teresópolis, 1912)
Em: “A Cinza das Horas” (1917)
Homem Chorando
(Virga Siauciunaite:
artista lituana)
Referência:
BANDEIRA, Manuel. Desencanto. In:
__________. Manuel Bandeira de bolso:
uma antologia poética. Organização e apresentação de Mara Jardim. Porto Alegre,
RS: L&PM, 2013. p. 26. (L&PM Pocket; v. 675)
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