Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Manuel Bandeira - Desencanto

Um sabor de choro ou de morte é o que se segue da leitura deste “desencanto” do poeta pernambucano, sempre muito próximo da experiência de expiração, pois que longamente doente por haver contraído tuberculose ainda nos primeiros anos do século passado, muito embora, paradoxalmente – afinal, a vida tem os seus mistérios – tenha passado dos 80 (oitenta) anos, o que não deixa de ser uma substancial bateria de dias.

Não havemos de nos esquecer que a penicilina – o primeiro antibiótico – muito contribuiu para que os casos fatais da doença fossem em grande medida abreviados. Afinal, foi ela descoberta em 1928 pelo médico e professor escocês Alexander Fleming, dando ensejo a inúmeros outros estudos científicos dos quais resultaram antibióticos diversos, chegando aos mais recentes, como a amoxicilina e a azitromicina.

Amargura, tristeza, remorso, volúpia, angústia são vocábulos que muito lembram os poetas da geração do “Mal do Século”, com os seus versos em rígida métrica e belas rimas – aliás, como os do poema em comento –, “desencantados” com a vida e mortos em plena juventude, a maior parte deles ainda nos desvãos do século XIX, século, consigne-se, em que nasceu o próprio Bandeira, mais tarde um filiado às tendências mais desamarradas do Modernismo.

J.A.R. – H.C.

Manuel Bandeira
(1886-1968)

Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

– Eu faço versos como quem morre.

(Teresópolis, 1912)
Em: “A Cinza das Horas” (1917)

Homem Chorando
(Virga Siauciunaite: artista lituana)

Referência:

BANDEIRA, Manuel. Desencanto. In: __________. Manuel Bandeira de bolso: uma antologia poética. Organização e apresentação de Mara Jardim. Porto Alegre, RS: L&PM, 2013. p. 26. (L&PM Pocket; v. 675)

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