As coisas desandam na vida do poeta, correndo ao contrário do que se
esperaria naturalmente: a existência de tudo quanto tem ‘anima’ flui da morte
para a vida, desaguando no nada. E mesmo as imagens que evoca não são concordes com o que, corriqueiramente, nos deparamos: escorpiões que se comportam como pombas, e estas como
aqueles.
Alimentar-se da fome é a mais contorcionista de todas as ideias carreadas
ao poema, assim como odiar-se a quem mais se ama: é do desvario dos seus assentamentos
que o poeta extrai a força do que remanesce na mente do leitor. O paraíso
onírico tudo comporta, como bem o demonstram as pinturas surrealistas ou que
tais.
J.A.R. – H.C.
Ángel González
(1925-2008)
Hoy
Hoy todo me conduce a
su contrario:
el olor de la rosa me
entierra en sus raíces,
el despertar me
arroja a un sueño diferente,
existo, luego muero.
Todo sucede ahora en
un orden estricto:
los alacranes comen
en mis manos,
las palomas me
muerden las entrañas,
los vientos más
helados me encienden las mejillas.
Hoy es así mi vida.
Me alimento del hambre.
Odio a quien amo.
Cuando me duermo, un
sol recién nacido
me mancha de amarillo
los párpados por dentro.
Bajo su luz, cogidos
de la mano,
tú y yo retrocedemos
desandando los días
hasta que al fin
logramos perdernos en la nada.
Vaso japonês com rosas e anêmonas
(Vincent van Goh:
pintor holandês)
Hoje
Hoje tudo me conduz
ao seu contrário:
o aroma da rosa me
enterra em suas raízes,
o despertar me lança
em um sonho diferente,
existo, logo morro.
Tudo agora ocorre em
uma ordem estrita:
os escorpiões comem
em minhas mãos,
as pombas me mordem
as entranhas,
os ventos mais
gelados me ardem as faces.
Hoje minha vida é
assim.
Alimento-me da fome.
Quando adormeço, um
sol recém-nascido
me mancha de amarelo
as pálpebras por dentro.
Sob a sua luz, de
mãos dadas,
tu e eu retrocedemos
desandando os dias,
até que ao fim logramos nos perder no nada.
Referência:
GONZÁLEZ, Ángel. Hoy. In: ÁNGEL
GONZÁLEZ. Poesía en el campus:
revista oral de poesia, Universidad de Zaragoza (ES), curso 1992-93, n. 24, p.
27.
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