A cena bíblica em que Jacó luta até o amanhecer com o anjo do Senhor é a metáfora de onde o poeta judeu torna a invocar o embate entre o sagrado e o
profano, melhor dizendo, o carnal, plenamente manifesto na relação entre homem
e mulher, decerto muito casual, sem nada de sério, mesmo porque cada um alheio
ao nome do outro.
Ao final, há uma inversão em relação ao enredo do Gênesis, quanto ao nome que, derradeiramente, dá-se por conhecido: ali, é o anjo
que pergunta a Jacó o seu nome, passando a denominá-lo Israel, sendo então
liberado por Jacó para partir. Mas aqui, o anjo – por sinal, a mulher – é que
vem a ser chamado pelo nome por alguém no andar superior, quando então o
parceiro permite que ele (ou melhor, ela) se vá.
J.A.R. – H.C.
Yehuda Amichai
(1924-2000)
Jacó e o Anjo
Antes do amanhecer
ela suspirou e o prendeu
daquele jeito, e o
venceu.
Ele a prendeu daquele
jeito, e a venceu,
ambos sabiam que o
prender
traz a morte.
E evitaram pronunciar
um o nome do outro.
Mas à primeira luz da
manhã
ele viu o corpo dela.
Que permanecia
branco,
nos pontos cobertos
ontem
pelo maiô.
Depois chamaram-na de
repente lá de cima,
duas vezes.
Como se chama uma
menina
que brinca no pátio.
Ele soube o nome dela
e a deixou partir.
Jacó Lutando com o Anjo
(Gustave Doré:
ilustrador francês)
Referência:
AMICHAI, Yehuda. Jacó e o anjo. Tradução
de Moacir Amâncio. In: __________. Terra e paz: antologia poética. Organização
e tradução de Moacir Amâncio. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Bazar do Tempo, 2018.
p. 71.
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