Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Ruy Belo - Literatura Explicativa

Belo satisfaz-se em elucubrações à volta do pôr do sol, quer no domínio do tempo – o momento presente em cotejo com o que já se passou –, quer na província do espaço – em Espinho ou ao sul de Florença –, quer ainda nas evocações de nomes referenciais em alguns países – Leibniz, os Medicis, Antero.

A “Literatura Explicativa”, assim, teria os seus métodos centrados no cotejo das obras de hoje com as de ontem, as daqui com as dali, sendo pontuada, ademais, pelos grandes tomos que marcaram a história das letras – os trabalhos denominados “clássicos” –, marcos inolvidáveis do que de melhor produziu o espírito humano.

J.A.R. – H.C.

Ruy Belo
(1933-1978)

Literatura Explicativa

O pôr do sol em Espinho não é o pôr do sol
nem mesmo o pôr do sol é bem o pôr do sol
É não morrermos mais é irmos de mãos dadas
com alguém ou com nós mesmos anos antes
é lermos Leibniz conviver com os Medicis
onze quilômetros ao sul de Florença
sobre restos de inquietação visível em bilhetes de eléctrico
Há quanto tempo se põe o sol em Espinho?
Terão visto este sol os liberais no mar
ou Antero de junto da ermida?
O sol que aqui se põe onde nasce? A quem
passamos este sol? Quem se levanta onde nos deitamos?
O pôr do sol em Espinho é termos sido felizes
é sentir como nosso o braço esquerdo
Ou melhor: é não haver mais nada mais ninguém
mulheres recortadas nas vidraças
oliveiras à chuva homens a trabalhar
coisas todas as coisas deixadas a si mesmas
Não mais restos de vozes solidão dos vidros
não mais os homens coisas que pensam coisas sozinhas
não mais o pôr do sol apenas pôr do sol

Em: “Homem de Palavra(s)” (1970)

Vista de Florença a partir do San Miniato
(Thomas Cole: pintor angloamericano)

Referência:

BELO, Ruy. Literatura explicativa. In: MENÉRES, Maria Alberta; MELO E CASTRO, E. M. de (Orgs.). Antologia da novíssima poesia portuguesa. 3. ed. 2. vol. Lisboa, PT: Moraes Editores, 1971. p. 677-678. (‘Círculo de Poesia’; v. 46)

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