Especulando, julgo que Emílio estivesse imaginando o poeta na noite dos
tempos, ali quando tudo se criou pelas mãos do Eterno Espírito: saindo o homem
de seu primeiro refúgio – as cavernas –, deu com as maravilhas que a natureza abarca
e, para preservar mais nitidamente as imagens contempladas, avançou até as
paragens do simbolismo, da linguagem e das palavras.
Mas Emílio não fala em cavernas, senão em montanhas, mas o efeito é mais
ou menos o mesmo: somente o poeta foi capaz de dar conta de todo o deslumbramento
diante das coisas do mundo – e como estas, a seu ver, não fossem suficientes, intentou
formular em palavras outras tantas esferas que se propagassem ao infinito –
como os garridos efeitos engendrados por um caleidoscópio.
J.A.R. – H.C.
Emílio Moura
(1902-1971)
Ode ao primeiro poeta
– “Comme le monde était jeune, et que
le mort était loin!”
Georges Chennevière
Quando os homens
desceram, um dia, dos montes, e se
detiveram trêmulos,
diante da planície
imensa,
eu te vi erguendo a
tua voz forte, límpida e viva.
Eras jovem e tinhas a
alegria de quem está descobrindo
o mundo.
Foi a tua palavra que
modelou a primeira paisagem, deu
ritmo aos ventos e
imaginou a beleza ingênua dos
primeiros e únicos
símbolos que se perpetuaram.
Eras criatura e
criador.
Estavas no gesto
maravilhado que armava as primeiras
tendas e na mão
indecisa que traçava o desenho
mágico dos caminhos
que se improvisavam;
na imagem da vida em
que se embebeu o primeiro
surto livre do
espírito;
estavas em ti mesmo e
fora de ti,
quando os homens
desceram, um dia, dos montes e se
detiveram, trêmulos,
diante da planície
imensa...
Bom dia, senhor Gauguin
(Paul Gauguin: pintor
francês)
Referência:
MOURA, Emílio. Ode ao primeiro poeta. In:
__________. 50 poemas escolhidos pelo
autor. Rio de Janeiro, GB: Ministério da Educação e Cultura, 1961. p. 3-4.
(‘Os cadernos de cultura’; v. 126)
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