Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 23 de fevereiro de 2020

Emílio Moura - Ode ao primeiro poeta

Especulando, julgo que Emílio estivesse imaginando o poeta na noite dos tempos, ali quando tudo se criou pelas mãos do Eterno Espírito: saindo o homem de seu primeiro refúgio – as cavernas –, deu com as maravilhas que a natureza abarca e, para preservar mais nitidamente as imagens contempladas, avançou até as paragens do simbolismo, da linguagem e das palavras.

Mas Emílio não fala em cavernas, senão em montanhas, mas o efeito é mais ou menos o mesmo: somente o poeta foi capaz de dar conta de todo o deslumbramento diante das coisas do mundo – e como estas, a seu ver, não fossem suficientes, intentou formular em palavras outras tantas esferas que se propagassem ao infinito – como os garridos efeitos engendrados por um caleidoscópio.

J.A.R. – H.C.

Emílio Moura
(1902-1971)

Ode ao primeiro poeta

– “Comme le monde était jeune, et que le mort était loin!”
Georges Chennevière


Quando os homens desceram, um dia, dos montes, e se
detiveram trêmulos,
diante da planície imensa,
eu te vi erguendo a tua voz forte, límpida e viva.
Eras jovem e tinhas a alegria de quem está descobrindo
o mundo.

Foi a tua palavra que modelou a primeira paisagem, deu
ritmo aos ventos e imaginou a beleza ingênua dos
primeiros e únicos símbolos que se perpetuaram.

Eras criatura e criador.

Estavas no gesto maravilhado que armava as primeiras
tendas e na mão indecisa que traçava o desenho
mágico dos caminhos que se improvisavam;
na imagem da vida em que se embebeu o primeiro
surto livre do espírito;

estavas em ti mesmo e fora de ti,
quando os homens desceram, um dia, dos montes e se
detiveram, trêmulos,
diante da planície imensa...

Bom dia, senhor Gauguin
(Paul Gauguin: pintor francês)

Referência:

MOURA, Emílio. Ode ao primeiro poeta. In: __________. 50 poemas escolhidos pelo autor. Rio de Janeiro, GB: Ministério da Educação e Cultura, 1961. p. 3-4. (‘Os cadernos de cultura’; v. 126)

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