O asno é o ente lírico a enunciar este poema, a começar pela magia de
seu nascimento, pleno de ocorrências controversas, senão impossíveis, narradas
em versos pejados de aliterações. Contudo, quando as linhas avançam, o tom fica
um tanto soturno, até mesmo autodepreciativo, quando se descreve com uma cabeça
desmedida e fartas orelhas desalinhadas.
De repente há uma inflexão e o bicho resolve adotar um ponto de vista
mais inspirador, imodesto até: parece ele revelar o momento em que, no enredo
bíblico, teria carregado Cristo em seu lombo, ao entrar em Jerusalém – evento rememorado
nas celebrações do Domingo de Ramos.
J.A.R. – H.C.
G. K. Chesterton
The Donkey
When fishes flew and
forests walked
And figs grew upon
thorn,
Some moment when the
moon was blood
Then surely I was
born.
With monstrous head
and sickening cry
And ears like errant
wings,
The devil’s walking
parody
On all four-footed
things.
The tattered outlaw
of the earth,
Of ancient crooked
will;
Starve, scourge,
deride me: I am dumb,
I keep my secret
still.
Fools! For I also had
my hour;
One far fierce hour
and sweet:
There was a shout
about my ears,
And palms before my
feet.
O Asno
(David Stribbling:
pintor inglês)
O Asno
Quando os peixes
voavam, moviam-se as florestas
E os figos cresciam
sobre espinhos,
Em algum momento em
que a lua era sangue,
Certamente então
nasci.
Com monstruosa
cabeça, pranto repulsivo
E orelhas como asas
errantes,
Eis-me a paródia
ambulante do diabo
Alusiva a tudo quanto
se sustenta em quatro patas.
O andrajoso
transgressor da terra,
De vontade engelhada
e tortuosa,
Mata-me de fome,
flagela-me, ridiculariza-me:
Sou mudo e até agora preservo
o meu segredo.
Parvos! Pois também
tive minha hora;
Uma hora muito
intensa e doce:
Chegava aos meus
ouvidos um clamor
E palmas havia diante
de meus pés.
Referência:
CHESTERTON, G. K. The donkey. In:
__________. The collected poems of G. K.
Chesterton. New York, NY: Dodd, Mead & Company, 1961. p. 308-309.
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