Um poema que retrata a dor dos judeus que foram perseguidos, pilhados e
mortos durante a 2GM, metaforizada numa rua deserta à meia-noite, um lugar
soturnamente silencioso, onde as ações dos “bárbaros” se multiplicam para
disseminar horrores.
Muitos houve quem, diante de tanto sofrimento, preferissem a morte,
porque infelizes se tornaram, sobrevivendo, tendo que suportar as indeléveis
memórias do infortúnio: a capacidade do homem para perpetrar o mal parece ser
tão fecunda que, por vezes, pode-se pensar que supera a sua vocação para
promover o bem.
J.A.R. – H.C.
Schin Schalom
(1904-1990)
Meia-Noite
A noite cala-se,
Estou de pé na longa
rua deserta
e grito.
Grito.
Porque em algum lugar
afiam facas
porque em algum lugar
assassinaram criaturas.
Porque o mal se
espalha no mundo,
porque não há mais
limite para pilhagem, a miséria, a dor.
Grito.
Porque a noite se
cala,
a noite cala-se.
Levanto meu punho
contra as janelas
apagadas, as próximas e as distantes,
e bato.
Bato –
porque os corações
dormem lá dentro,
porque fora galopam
os Bárbaros
para exterminar e
aniquilar
geração sobre
geração,
o salvador e o
oprimido,
a escravidão e a
liberdade –
sangue!
Levantai-vos, ó
embriagados pelo abraço da besta,
celebro hoje os
funerais
do homem.
Rastejo e caminho de
quatro pés,
enterro as unhas no
chão
e escavo.
Escavo –
talvez venha a
descobrir a consciência do mundo.
Talvez os mortos
elevem sua voz.
Escavo
um túmulo para a
minha carne perecível,
um túmulo para a
minha voz que se revolta e esbraveja,
e grito –
E a noite cala-se.
A noite cala-se.
O Grito
(Edvard Munch: pintor
norueguês)
Referência:
SCHALOM, Schin. Meia-noite. Tradução de
Cecília Meireles. In: GUINSBURG, J.; TAVARES, Zulmira Ribeiro (Orgs.). Quatro mil anos de poesia. Desenhos de
Paulina Rabinovich. São Paulo, SP: Perspectiva, 1960. p. 266. (Coleção
“Judaica”; v. 12)
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