Partindo de uma alegria que raras vezes se via estampada no rosto de
Clarice Lispector (1920-1977), a poetisa, no avançar das linhas, torna mais evidenciada a
verdadeira natureza da grande escritora; silenciosa, sentindo-se aparentemente
só, mesmo estando em companhia de familiares ou amigos.
Lágrimas – melhor seria dizer desalento, tristeza – é o que o seu rosto
estampava nos últimos anos de vida. Lágrimas que, imaginosamente, Dora divisa
enxugadas por anjos. Anjos que, decifrando-lhe a partitura, ali estavam para
auxiliá-la e fazê-la tomar da pena para, com isso, extravasar o que lhe toldava
o espírito.
J.A.R. – H.C.
Dora Ferreira da Silva
(1918-2006)
Para Clarice Lispector
In memorian
Anjos cantam tua
eterna alegria.
Aos que se sentem sós
mandas dizer
que doce na terra é o
vinho da música
e o silêncio, sabor.
Foste partitura, que
só os anjos souberam decifrar,
nascida de um
fragílimo novelo –
teus cabelos claros –
que só os anjos
puderam destrançar.
Ouves além das
lágrimas antigas
essas lágrimas que só
os anjos foram capazes de enxugar.
Retrato de Clarice Lispector
(Giorgio de Chirico:
pintor italiano)
Referência:
FERREIRA DA SILVA, Dora. Para Clarice
Lispector. In: FERREIRA DA SILVA, Dora et al. Boa companhia: poesia. 1. ed., 1. reimp. São Paulo, SP: Companhia
das Letras, 2005. p. 19.
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