Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Boris Vian - Se os poetas fossem menos bestas

Vian – mesmo sendo também um poeta – formula provocações, sem receio das palavras que enceta, num hábil amálgama de talento e modéstia, de espirituosidade e autodepreciação, vertendo-as em direção ao leitor, ainda que melhor se direcionadas fossem a todos os poetas contra quem se insurge, para que pudessem manter seus nomes, por um dia que fosse, longe do olvido.

Perceba-se a dificuldade do tradutor – Ruy Proença – em verter ao português termos que, no francês, são recriações ou combinações de outras palavras, ou melhor, manipular neologismos capazes de fazer algum sentido no idioma destinatário: tal é árdua tarefa do “tradutor-traidor”!

J.A.R. – H.C.

Boris Vian
(1920-1959)

Si les poètes étaient moins bêtes

Si les poétes étaient moins bêtes
Et s’ils étaient moins paresseux
Ils rendraient tout le monde heureux
Pour pouvoir s’occuper en paix
De leurs souffrances littéraires
Ils construiraient des maisons jaunes
Avec des grands jardins devant
Et des arbres pleins de zoizeaux
De mirliflûtes et de lizeaux
Des mésongres et des feuvertes
Des plumuches, des picassiettes
Et des petits corbeaux tout rouges
Qui diraient la bonne aventure
Il y aurait de grands jets d’eau
Avec des lumières dedans
Il y aurait deux cents poissons
Depuis le croûsque au ramusson
De la libelle au pépamule
De l’orphie au rara curule
Et de l’avoile au canisson
Il y aurait de l’air tout neuf
Parfumé de l’odeur des feuilles
On mangerait quand on voudrait
Et l’on travaillerait sans hâte
A construire des escaliers
De formes encor jamais vues
Avec des bois veinés de mauve
Lisses comme elle sous les doigts
Mais les poètes sont très bêtes
Ils écrivent pour commencer
Au lieu de s’mettre à travailler
Et ça leur donne des remords
Qu’ils conservent jusqu’à la mort
Ravis d’avoir tellement souffert
On leur donne des grands discours
Et on les oublie en un jour
Mais s’ils étaient moins paresseux
On ne les oublierait qu’en deux.

Metamorfose de Narciso
(Salvador Dalí: pintor espanhol)

Se os poetas fossem menos bestas

Se os poetas fossem menos bestas
E se fossem menos preguiçosos
Fariam todo o mundo feliz
Para poderem tratar em paz
Dos seus sofrimentos literários
Levantariam casas douradas
Cercadas por enormes jardins
E árvores cheias de colibris
De rustiflautas e de aqualises
De pardongros e de luziverdes
De plumuchas e de picapratos
E de pequenos corvos vermelhos
Que soubessem tirar nossa sorte
Haveria grandes chafarizes
Jorrando luzes de zil matizes
Não faltariam duzentos peixes
Do crocantusco ao empedraqueixo
Do trilibelo ao falamumula
Da suazmina ao rara quirila
E do guardavela ao canifeixe
Provaríamos de um ar fresquíssimo
Perfumado pelo odor das folhas
Comeríamos quando quiséssemos
E trabalharíamos sem pressa
A arquitetar escadarias
De formas nunca dantes sonhadas
Com tábuas raiadas de lilás
Lisas como só ela sob os dedos
Mas os poetas são muito bestas
Para começar, eles escrevem
Ao invés de pôr a mão na massa
Isso lhes traz profundos remorsos
Que levam consigo até a morte
Radiantes por sofrerem tanto
O mundo os aclama com requinte
E os esquece no dia seguinte
Se a preguiça não fosse mania
Teriam fama por mais um dia.

Referência:

VIAN, Boris. Si les poétes étaient moins bêtes / Se os poetas fossem menos bestas. Tradução de Ruy Proença. In: MENDONÇA, Vanderley (Ed.). Lira argenta: poesia em tradução. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Selo Demônio Negro, 2017. Em francês: p. 152 e 154; em português: p. 153 e 155.

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