Vian – mesmo sendo também um poeta – formula provocações, sem receio das
palavras que enceta, num hábil amálgama de talento e modéstia, de espirituosidade
e autodepreciação, vertendo-as em direção ao leitor, ainda que melhor se
direcionadas fossem a todos os poetas contra quem se insurge, para que pudessem
manter seus nomes, por um dia que fosse, longe do olvido.
Perceba-se a dificuldade do tradutor – Ruy Proença – em verter ao
português termos que, no francês, são recriações ou combinações de outras
palavras, ou melhor, manipular neologismos capazes de fazer algum sentido no
idioma destinatário: tal é árdua tarefa do “tradutor-traidor”!
J.A.R. – H.C.
Boris Vian
(1920-1959)
Si les poètes étaient moins bêtes
Si les poétes étaient
moins bêtes
Et s’ils étaient
moins paresseux
Ils rendraient tout
le monde heureux
Pour pouvoir
s’occuper en paix
De leurs souffrances
littéraires
Ils construiraient
des maisons jaunes
Avec des grands
jardins devant
Et des arbres pleins
de zoizeaux
De mirliflûtes et de lizeaux
Des mésongres et des
feuvertes
Des plumuches, des
picassiettes
Et des petits
corbeaux tout rouges
Qui diraient la bonne
aventure
Il y aurait de grands
jets d’eau
Avec des lumières
dedans
Il y aurait deux
cents poissons
Depuis le croûsque au
ramusson
De la libelle au
pépamule
De l’orphie au rara
curule
Et de l’avoile au
canisson
Il y aurait de l’air
tout neuf
Parfumé de l’odeur
des feuilles
On mangerait quand on
voudrait
Et l’on travaillerait
sans hâte
A construire des
escaliers
De formes encor
jamais vues
Avec des bois veinés
de mauve
Lisses comme elle
sous les doigts
Mais les poètes sont
très bêtes
Ils écrivent pour
commencer
Au lieu de s’mettre à
travailler
Et ça leur donne des
remords
Qu’ils conservent
jusqu’à la mort
Ravis d’avoir
tellement souffert
On leur donne des
grands discours
Et on les oublie en
un jour
Mais s’ils étaient
moins paresseux
On ne les oublierait
qu’en deux.
Metamorfose de Narciso
(Salvador Dalí:
pintor espanhol)
Se os poetas fossem menos bestas
Se os poetas fossem menos
bestas
E se fossem menos
preguiçosos
Fariam todo o mundo
feliz
Para poderem tratar
em paz
Dos seus sofrimentos
literários
Levantariam casas
douradas
Cercadas por enormes
jardins
E árvores cheias de
colibris
De rustiflautas e de
aqualises
De pardongros e de
luziverdes
De plumuchas e de
picapratos
E de pequenos corvos
vermelhos
Que soubessem tirar
nossa sorte
Haveria grandes
chafarizes
Jorrando luzes de zil
matizes
Não faltariam
duzentos peixes
Do crocantusco ao
empedraqueixo
Do trilibelo ao falamumula
Da suazmina ao rara
quirila
E do guardavela ao
canifeixe
Provaríamos de um ar
fresquíssimo
Perfumado pelo odor
das folhas
Comeríamos quando
quiséssemos
E trabalharíamos sem
pressa
A arquitetar
escadarias
De formas nunca
dantes sonhadas
Com tábuas raiadas de
lilás
Lisas como só ela sob
os dedos
Mas os poetas são
muito bestas
Para começar, eles
escrevem
Ao invés de pôr a mão
na massa
Isso lhes traz
profundos remorsos
Que levam consigo até
a morte
Radiantes por
sofrerem tanto
O mundo os aclama com
requinte
E os esquece no dia
seguinte
Se a preguiça não
fosse mania
Teriam fama por mais
um dia.
Referência:
VIAN, Boris. Si les poétes étaient
moins bêtes / Se os poetas fossem menos bestas. Tradução de Ruy Proença. In: MENDONÇA,
Vanderley (Ed.). Lira argenta:
poesia em tradução. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Selo Demônio Negro, 2017.
Em francês: p. 152 e 154; em português: p. 153 e 155.
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