Levi chega a ser emblemático neste seu poema, pois, falando sobre a
poeira, afirma que ela contém o bem e o mal – “o perigo e muitas coisas
escritas”: quanto ao malefício que ela provoca, as pessoas de Brasília – onde
resido – o conhecem muito bem, em especial no período em que as chuvas
desaparecem, isto é, mais ou menos entre julho e outubro, fazendo levantar do
solo barrento da capital uma poeira voraz.
Quanto ao bem que ela engendra, o poeta desloca-o do domínio das ideias
aos novos mundos – “imprevisíveis, belos, estranhos” –, derivados da degradação
de outros tantos mundos transatos – “cindidos e decompostos” –, como as “poeiras
cósmicas” que preenchem grande parte do universo sideral que conhecemos.
J.A.R. – H.C.
Primo Levi
(1919-1987)
Polvere
Quanta è la polvere
che si posa
Sul tessuto nervoso
di una vita?
La polvere non ha
peso né suono
Né colore né scopo:
vela e nega,
Oblitera, nasconde e
paralizza;
Non uccide ma spegne,
Non è morta ma dorme.
Alberga spore vecchie
di millenni
Pregne di danno a
venire,
Crisalidi minuscole
in attesa
Di scindere,
scomporre, degradare:
Puro agguato confuso
e indefinito
Pronto per l'assalto
futuro,
Impotenze che
diverranno potenze
Allo scoccare di un
segnale muto.
Ma alberga pure germi
diversi,
Semi assopiti che
cresceranno in idee,
Ognuno denso di un
universo
Impreveduto, nuovo,
bello e strano.
Perciò rispetta e
temi
Questo mantello
grigio e senza forma:
Contiene il male e il
bene,
Il pericolo, e molte
cose scritte.
29 settembre 1984
Remoinho de Poeira – 5ª Avenida
(John F. Sloan:
pintor norte-americano)
Poeira
Quanta é a poeira que
se deposita
Sobre o tecido
nervoso de uma vida?
A poeira não tem peso
nem som
Nem cor nem escopo:
vela e nega,
Oblitera, oculta e
paralisa;
Não mata mas apaga,
Não está morta mas
dorme.
Abriga esporos
milenares
Prenhes de danos por
vir,
Crisálidas minúsculas
à espera
De cindir, decompor,
degradar:
Pura emboscada
confusa e indefinida
Pronta para o assalto
futuro,
Impotências que se
tornarão potências
Ao estalo de um sinal
mudo.
Mas também abriga
germes diversos,
Sementes dormidas que
vão brotar em ideias,
Cada uma densa de um
universo
Imprevisível, novo,
belo e estranho.
Por isso respeite e
tema
Esse manto cinzento e
sem forma:
Contém o mal e o bem,
O perigo e muitas
coisas escritas.
29 de setembro de 1984
Referência:
LEVI, Primo. Polvere / Poeira. Tradução
de Maurício Santana Dias. In: __________. Mil
sóis: poemas escolhidos. Seleção, tradução e apresentação de Maurício
Santana Dias. 1. ed. São Paulo, SP: Todavia, 2019. Em italiano: p. 126; em
português: p. 127.
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