Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Primo Levi - Poeira

Levi chega a ser emblemático neste seu poema, pois, falando sobre a poeira, afirma que ela contém o bem e o mal – “o perigo e muitas coisas escritas”: quanto ao malefício que ela provoca, as pessoas de Brasília – onde resido – o conhecem muito bem, em especial no período em que as chuvas desaparecem, isto é, mais ou menos entre julho e outubro, fazendo levantar do solo barrento da capital uma poeira voraz.

Quanto ao bem que ela engendra, o poeta desloca-o do domínio das ideias aos novos mundos – “imprevisíveis, belos, estranhos” –, derivados da degradação de outros tantos mundos transatos – “cindidos e decompostos” –, como as “poeiras cósmicas” que preenchem grande parte do universo sideral que conhecemos.

J.A.R. – H.C.

Primo Levi
(1919-1987)

Polvere

Quanta è la polvere che si posa
Sul tessuto nervoso di una vita?
La polvere non ha peso né suono
Né colore né scopo: vela e nega,
Oblitera, nasconde e paralizza;
Non uccide ma spegne,
Non è morta ma dorme.
Alberga spore vecchie di millenni
Pregne di danno a venire,
Crisalidi minuscole in attesa
Di scindere, scomporre, degradare:
Puro agguato confuso e indefinito
Pronto per l'assalto futuro,
Impotenze che diverranno potenze
Allo scoccare di un segnale muto.
Ma alberga pure germi diversi,
Semi assopiti che cresceranno in idee,
Ognuno denso di un universo
Impreveduto, nuovo, bello e strano.
Perciò rispetta e temi
Questo mantello grigio e senza forma:
Contiene il male e il bene,
Il pericolo, e molte cose scritte.

29 settembre 1984

Remoinho de Poeira – 5ª Avenida
(John F. Sloan: pintor norte-americano)

Poeira

Quanta é a poeira que se deposita
Sobre o tecido nervoso de uma vida?
A poeira não tem peso nem som
Nem cor nem escopo: vela e nega,
Oblitera, oculta e paralisa;
Não mata mas apaga,
Não está morta mas dorme.
Abriga esporos milenares
Prenhes de danos por vir,
Crisálidas minúsculas à espera
De cindir, decompor, degradar:
Pura emboscada confusa e indefinida
Pronta para o assalto futuro,
Impotências que se tornarão potências
Ao estalo de um sinal mudo.
Mas também abriga germes diversos,
Sementes dormidas que vão brotar em ideias,
Cada uma densa de um universo
Imprevisível, novo, belo e estranho.
Por isso respeite e tema
Esse manto cinzento e sem forma:
Contém o mal e o bem,
O perigo e muitas coisas escritas.

29 de setembro de 1984

Referência:

LEVI, Primo. Polvere / Poeira. Tradução de Maurício Santana Dias. In: __________. Mil sóis: poemas escolhidos. Seleção, tradução e apresentação de Maurício Santana Dias. 1. ed. São Paulo, SP: Todavia, 2019. Em italiano: p. 126; em português: p. 127.

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