O murmúrio “miserável” do poema não é exatamente a “música do Paraíso”
que pretendera ouvir o poeta galês Dylan Thomas: segundo Frénaud, a “música do
ser” não é algo que se possa imaginar assim tão facilmente, de modo a transmutá-la
em palavras difundidas sob a forma de poesia.
Na dicotomia do amor e do não-amor se arrasta o poeta, incapaz de
superar a recusa de um pelo outro, lançando-o no mais diligente silêncio, desmembrado
da vida, numa taciturna dinâmica que lhe oblitera o olhar, despertando tão
apenas o rumorejo de algumas palavras sobre a página.
J.A.R. – H.C.
André Frénaud
(1907-1993)
Machine inutile
Il n’y a pas de paradis
a Dylan Thomas
Je ne peux entendre
la musique de l’être.
Je n’ai reçu le
pouvoir de l’imaginer.
Mon amour s’alimente
à un non-amour.
Je n’avance qu’attisé
par son refus.
Il m’emporte dans ses
grands bras de rien.
Son silence me sépare
de la vie.
Être sereinement
brûlant que j’assiège.
Quand enfin je vais
l’atteindre dans les yeux,
sa flamme a déjà
creusé les miens, m’a fait des cendres.
Qu’importe après, le
murmure misérable du poème.
C’est néant cela, non
le paradis.
Je venais d’apprendre par une personne
amie de
Dylan Thomas qu’au cours d’une
conversation
celui-ci, imaginant et rêvant, s’était
écrié:
“Je voudrais faire entendre la musique
du Paradis”.
Paraíso da Música
(S. Shashikant:
pintor indiano)
Máquina Inútil
Não existe paraíso
a Dylan Thomas
Não posso ouvir a
música do ser.
Não recebi o poder de
imaginá-la.
Meu amor se alimenta
em um não-amor.
Só avanço atiçado por
sua recusa.
Ele me leva em seus
grandes braços de nada.
Seu silêncio me
separa de minha vida.
Ser serenamente
ardente que assedio.
Quando enfim vou
atingi-lo bem nos olhos,
a sua chama já vazou
os meus, já fez-me cinzas.
Que importa após, o
murmúrio miserável do poema.
É nada isso, não o
paraíso.
Eu acabara de tomar conhecimento,
através de pessoa
amiga de Dylan Thomas, de que, no
decorrer de uma
conversa, imaginando e sonhando, ele
exclamara:
“Eu quisera fazer ouvir a música do
Paraíso”.
Referência:
FRENAUD, André. Machine inutile - Il
n’y a pas de paradis / Máquina inútil - Não existe paraíso. Tradução de Mário Laranjeira. In: LARANJEIRA,
Mário (Seleção, tradução e introdução). Poetas
de França hoje: 1945-1995. Apresentação de Nelson Ascher. São Paulo, SP:
Edusp, 1996. Em francês e em português: p. 106.
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