Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

André Frénaud - Máquina inútil - Não existe paraíso

O murmúrio “miserável” do poema não é exatamente a “música do Paraíso” que pretendera ouvir o poeta galês Dylan Thomas: segundo Frénaud, a “música do ser” não é algo que se possa imaginar assim tão facilmente, de modo a transmutá-la em palavras difundidas sob a forma de poesia.

Na dicotomia do amor e do não-amor se arrasta o poeta, incapaz de superar a recusa de um pelo outro, lançando-o no mais diligente silêncio, desmembrado da vida, numa taciturna dinâmica que lhe oblitera o olhar, despertando tão apenas o rumorejo de algumas palavras sobre a página.

J.A.R. – H.C.

André Frénaud
(1907-1993)

Machine inutile
Il n’y a pas de paradis

a Dylan Thomas

Je ne peux entendre la musique de l’être.
Je n’ai reçu le pouvoir de l’imaginer.
Mon amour s’alimente à un non-amour.
Je n’avance qu’attisé par son refus.
Il m’emporte dans ses grands bras de rien.
Son silence me sépare de la vie.

Être sereinement brûlant que j’assiège.
Quand enfin je vais l’atteindre dans les yeux,
sa flamme a déjà creusé les miens, m’a fait des cendres.
Qu’importe après, le murmure misérable du poème.
C’est néant cela, non le paradis.

Je venais d’apprendre par une personne amie de
Dylan Thomas qu’au cours d’une conversation
celui-ci, imaginant et rêvant, s’était écrié:
“Je voudrais faire entendre la musique du Paradis”.

Paraíso da Música
(S. Shashikant: pintor indiano)

Máquina Inútil
Não existe paraíso

a Dylan Thomas

Não posso ouvir a música do ser.
Não recebi o poder de imaginá-la.
Meu amor se alimenta em um não-amor.
Só avanço atiçado por sua recusa.
Ele me leva em seus grandes braços de nada.
Seu silêncio me separa de minha vida.

Ser serenamente ardente que assedio.
Quando enfim vou atingi-lo bem nos olhos,
a sua chama já vazou os meus, já fez-me cinzas.
Que importa após, o murmúrio miserável do poema.
É nada isso, não o paraíso.

Eu acabara de tomar conhecimento, através de pessoa
amiga de Dylan Thomas, de que, no decorrer de uma
conversa, imaginando e sonhando, ele exclamara:
“Eu quisera fazer ouvir a música do Paraíso”.

Referência:

FRENAUD, André. Machine inutile - Il n’y a pas de paradis / Máquina inútil - Não existe paraíso. Tradução de Mário Laranjeira. In: LARANJEIRA, Mário (Seleção, tradução e introdução). Poetas de França hoje: 1945-1995. Apresentação de Nelson Ascher. São Paulo, SP: Edusp, 1996. Em francês e em português: p. 106.

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