Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 22 de fevereiro de 2020

Margaret Atwood - Olhando-me num Espelho

A poetisa se pôs a mirar-se no espelho e contemplou um mundo criado ao final de 7 (sete) anos de um sono profundo, em significativa mutação que lhe alterou as características corporais: sua pele não é mais macia e pálida porque o sol e o frio a converteram em opaca e escurecida, e as mãos tornaram-se rígidas pelo presumível trabalho levado a efeito.

A dúvida da autora sobre o que se passa revela uma atitude de apreensão com as mudanças promovidas pela natureza, ou talvez melhor, pela translação de um modo de vida inglês para outro emergente, como o do Canadá – onde Atwood nasceu. E mais: frente ao espelho não há subjetividade que possa ser acobertada – ou bem ela se manifesta inteira para reforçar nossa lembrança, ou bem se deixa descortinar, plenamente, aos nossos olhos desatentos.

J.A.R. – H.C.

Margaret Atwood
(n. 1939)

Looking in a Mirror

It was as if I woke
after a sleep of seven years

to find stiff lace, religious
black rotted
off by earth and the strong waters

and instead my skin thickened
with bark and the white hairs of roots

My heirloom face I brought
with me a crushed eggshell
among other debris:
the china plate shattered
on the forest road, the shawl
from India decayed, pieces of letters

and the sun here had stained
me its barbarous colour

Hands grown stiff, the fingers
brittle as twigs
eyes bewildered after
seven years, and almost
blind / buds, which can see
only the wind

the mouth cracking
open like a rock in fire
trying to say

What is this

(you find only
the shape you already are
but what
if you have forgotten that
or discover you
have never known)

Velha frente ao espelho
(Bernardo Strozzi: pintor italiano)

Olhando-me num Espelho

Foi como se eu acordasse
depois de um sono de sete anos

deparando-me com um firme rendado,
de um negro austero,
degradado pela terra e por ravinas

e, de outra parte, minha pele houvesse se tornado áspera
com o córtex e os filamentos brancos das raízes

Meu rosto herdado trouxera
comigo uma casca de ovo esmagada
entre outros detritos:
o prato de porcelana quebrada
na vereda do bosque, o deteriorado
xale indiano, fragmentos de cartas

e o sol daqui me infundira
a sua cor bárbara

Rígidas ficaram-me as mãos, os
dedos quebradiços como ramos
e perplexos os olhos depois de
sete anos, os quais, quase
cegos / rebentos, agora só são capazes
de ver o vento

a boca que se abre
e crepita como uma rocha sob o fogo
tentando dizer

O que é isso

(apenas encontras
a forma que já és,
mas que
já te esqueces em que consiste
ou descobres que
jamais a conheceras)

Referência:

ATWOOD, Margaret. Looking in a mirror. In: __________. The journals of Susanna Moodie: poems by Margaret Atwood. Toronto, CA: Oxford University Press, 1970. p. 24-25.

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