A poetisa se pôs a mirar-se no espelho e contemplou um mundo criado ao
final de 7 (sete) anos de um sono profundo, em significativa mutação que lhe
alterou as características corporais: sua pele não é mais macia e pálida porque
o sol e o frio a converteram em opaca e escurecida, e as mãos tornaram-se rígidas
pelo presumível trabalho levado a efeito.
A dúvida da autora sobre o que se passa revela uma atitude de apreensão
com as mudanças promovidas pela natureza, ou talvez melhor, pela translação de
um modo de vida inglês para outro emergente, como o do Canadá – onde Atwood
nasceu. E mais: frente ao espelho não há subjetividade que possa ser acobertada
– ou bem ela se manifesta inteira para reforçar nossa lembrança, ou bem se
deixa descortinar, plenamente, aos nossos olhos desatentos.
J.A.R. – H.C.
Margaret Atwood
(n. 1939)
Looking in a Mirror
It was as if I woke
after a sleep of
seven years
to find stiff lace,
religious
black rotted
off by earth and the
strong waters
and instead my skin
thickened
with bark and the
white hairs of roots
My heirloom face I
brought
with me a crushed
eggshell
among other debris:
the china plate
shattered
on the forest road,
the shawl
from India decayed,
pieces of letters
and the sun here had
stained
me its barbarous
colour
Hands grown stiff,
the fingers
brittle as twigs
eyes bewildered after
seven years, and
almost
blind / buds, which
can see
only the wind
the mouth cracking
open like a rock in
fire
trying to say
What is this
(you find only
the shape you already
are
but what
or discover you
have never known)
Velha frente ao espelho
(Bernardo Strozzi:
pintor italiano)
Olhando-me num Espelho
Foi como se eu acordasse
depois de um sono de
sete anos
deparando-me com um
firme rendado,
de um negro austero,
degradado pela terra
e por ravinas
e, de outra parte,
minha pele houvesse se tornado áspera
com o córtex e os
filamentos brancos das raízes
Meu rosto herdado
trouxera
comigo uma casca de
ovo esmagada
entre outros
detritos:
o prato de porcelana
quebrada
na vereda do bosque,
o deteriorado
xale indiano, fragmentos
de cartas
e o sol daqui me
infundira
a sua cor bárbara
Rígidas ficaram-me as
mãos, os
dedos quebradiços
como ramos
e perplexos os olhos
depois de
sete anos, os quais,
quase
cegos / rebentos, agora só são capazes
de ver o vento
a boca que se abre
e crepita como uma
rocha sob o fogo
tentando dizer
O que é isso
(apenas encontras
a forma que já és,
mas que
já te esqueces em que
consiste
ou descobres que
jamais a conheceras)
Referência:
ATWOOD, Margaret. Looking in a mirror.
In: __________. The journals of Susanna
Moodie: poems by Margaret Atwood. Toronto, CA: Oxford University Press,
1970. p. 24-25.
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